27 fevereiro 2011

Sons


Eu sei
Papas da língua

Água na boca...

Antes















Depois
















Polvo assado com pimenta da Jamaica, puré de legumes e alecrim.
Batatinha assada em azeite, alho descamisado e tomilho.
Migas à minha maneira.
Mousse de pera abacate com redução de melaço e aguardente de cana.

23 fevereiro 2011

Sons


Lost and found
Gabin ft. Mia Cooper

Conversas à boca do forno.

Domingo passado; Vimeiro; fábrica do pão.
- Então Ti Henrique? Anda desasado?
O homem, aparentando sessentas e algo, alto, camisa de xadrez e boné na cabeça, aproximou-se exibindo o braço direito ao peito, pendurado numa tira de gaze, e uma generosa tala no dedo médio.
- Vim à bôla para a rapaziada picar - disse apontando para um pavilhão rústico onde se jogavam cartas e chinquilho.
- O que lhe aconteceu, homem?
- Olhe, não quer lá ver a p...ta da minha sorte? Apanho g'andes babadeiras todos os dias; caio da mota no caminho p'a casa... nunca m'aleijei, só uns arranhõezitos de vez em quando. Ontem de manhã alevantei-me cedo p'a ir aos ouriços. Estava sentado no sofá da sala a calçar as meias e à espera qu'a melher me fizesse o piquen'almoço. Tenho um cão e uma cadela pequ'nitos. Fod...-se! Não é qu'aqueles filhos duma granda p...ta se pegam à dentada? Com a pressa de m'alivantar do sofá, escorregou-se-me o tapete do chão debaixo dos pés e catrapumba, arrebati de costas em cima dos mosaicos, caindo com o cú em cima da mão direita. Parti o dedo do meio!... Já viu isto?... Por causa do car...lho dos cães? S'eu ad'vinhasse tinha deixado que se comessem à dentada. É qu'ainda por cima foi a mão direita. Não posso conduzir a mota; não consigo jogar às cartas nem ao chinquilho e até a garrafa da mine não me dá jeito nenhum segurar com a mão esquerda.
- Porra, homem! Isso é que foi azar hein?
- É verdade. Ainda na véspera tinha saido daqui à uma da manhã com uma cadela danada. Na subida das belas - não sei como arranjei a coisa - desinqu'librei-me e taruz... estatelado no chão e ainda por cima no meio da estrada. Fiquei debaixo da mota. Quis sair debaixo daquela m...rda mas não tinha forças. Pois c'a babadeira que levava nos cornos... Vai daí, pensei: Olha... f...da-se! Deixa-te estar! E foi o que fiz. Puxei do tabaco e deixei-me ficar. Passado p'aí uma meia hora vejo dois faróis a virem pela estrada acima. Parou uma pick-up cinzenta à minha beira. Era um primo meu... "atão Henrique? O que fazes aí caido no meio da estrada?". Eu respondi-lhe "Olha... tou aqui fumando um cigarrito!".
[gargalhada generalizada]
- Então vá Ti Henrique. Leve lá a Bôla aos homens ou eles ainda julgam que se perdeu p'lo caminho.
- Ok! Passem bem que eu vou beber mais copo. Até mais!
- Até logo!

(Conversa verídica)

14 fevereiro 2011

Leituras


Talvez consiga adormecer

Talvez
consiga adormecer
se não pensar nos teus beijos
que ainda ardem
neste deserto
que é a minha pele sem ti.
Sinto-os
como formigas doidas
a correrem
por mim acima
desvairados, sem norte,
perdidos quem sabe
se na pressa
de voltarem a ser beijos
mais fundos que a pele,
sedenta
desse toque
que só tu consegues,
quando o calor
da tarde que começa
te incendeia
em labaredas por inteiro,
dentro
e fora, meu vesúvio
de Janeiro
onde me deito e adormeço.

Deixa-me voar
de novo colado a ti,
meu pássaro sonhador.
Anda, vamos
nessa brisa quente
à procura
de uma terra que não conheço
e deixa-me desbravá-la
como se o mundo acabasse
agora,
nesta tarde morna
de luz coada, perdida no poente
imaginado,
quando os teus olhos
me falavam sem palavras
e me diziam
que tudo era possível
na caminhada sem medo.

Deixa-me
partir no teu beijo
que tardo
em querer esquecer.
Como quem sussurra
um segredo,
abre-me o teu peito
em que me deito
e estremeço.

Deixa-me voar contigo.
Deixa-me tocar
a lua no teu umbigo.

In A lua no teu umbigo
Alberto Riogrande

12 fevereiro 2011

Na 1ª pessoa – o singular na sua dialéctica com o plural.

Hoje apetece-me escrever na primeira pessoa do singular.
De quando em vez paro para fazer um apanhado da minha vida ou, pelo menos, do meu passado recente. Há quem faça o exercício regular de uma retrospectiva diária. Não chego a tanto (mas apenas e só porque não tenho o empenho necessário para o fazer).
Pensei em tamanha façanha há já alguns dias mas só agora ganhei coragem para tanto. Cortei umas limas, pisei folhas de hortelã, umas pedras de gelo, rum e duas colheres de um açúcar tão amarelo quanto o meu sorriso deste final de tarde.
Estou sentado em frente ao portátil. Mais um trago… e outro. Arrepio-me. Estou pronto!
Ultimamente tive por tendência natural julgar a minha vida como algo de absolutamente improdutivo ou, no mínimo, inconsequente.
Formações e mais formações, cursos e mais cursos, simpósios, congressos, encontros… para acabar dando por mim a perguntar “para quê?”.
Esta semana algo de novo ganhou espaço no meu espírito. Comecei a interrogar-me mais sobre as pequenas coisas do dia-a-dia, as quais, habitualmente, adicionava ao rol das futilidades, percebendo agora que, uma vez ponderadas numa perspectiva mais abrangente, passam a fazer todo um novel sentido.
Lamento esta situação de desemprego prolongado, de instabilidade relacional no que ao às matérias do coração diz respeito. Continuarei a fazê-lo. Mas pergunto-me agora: ser-me-ia possível assumir em exclusivo as múltiplas deslocações do meu filho de e para a escola, idas quase diárias da mãe ao hospital, tratar diária e religiosamente dos meus cães, se estivesse a trabalhar ou numa relação emocional com cabeça, tronco e membros?
Mais: a partir da próxima terça-feira a minha filhota passará a ír duas vezes por semana ao Hip-Hop. Irei eu buscá-la à escola. Não sei como irei conseguir articular tudo mas tenho a certeza absoluta de que o vou fazer.
Na passada 2ª feira morreu-me o Chaka. De quatro amigos caninos resta-me apenas a Luka. A vida vai polvilhando o caminho com estas sacanices repletas de fel.
Num destes finais de tarde solarengos, desloquei-me ao miradouro dos Capuchos para ver o pôr-do-sol. Entre muita gente que afluíra ao local com o mesmo intuito, encontrava-se um casal com dois filhos. O mais velho deles, talvez com uns sete/oito anos, estava sentado na muralha do miradouro, pernas e braços traçados, aguardando o momento em que o horizonte engoliria o sol. Aproximando-se o ocaso, o pai desata num esbracejar histérico, bradando:
- Filho. Estão a roubar o sol! E agora? O que fazemos?
O filho, sem tirar os olhos de um horizonte mesclado de azuis e vermelhos, respondeu:
- Não, pai. O sol vai até ao fim do mundo e depois desaparece na terra do nunca. Amanhã nasce um novo.

Tenho recordado muitas vezes tal momento. A poesia tudo vence. Quem me dera ser capaz de fazer como o sol daquele menino. Mas poesia é apenas isso: poesia. A vida é a vida e, como experiência de aprendizagem que é, apresenta-se-nos muitas vezes cruel, dura, implacável.
Se é (também mas não só) por isso que tenho que passar… seja!
Ajudo os outros em tudo o que posso, de múltiplas formas. Quem me conhece sabe desta atitude voluntariosa. Se ando por cá com essa missão… óptimo.
Se são estes o meu karma e o meu dharma… perfeito!
Em última instância tenho por saldo que o universo me tem retribuído generosamente. Graças ao apoio incondicional da família e dos amigos não me tem faltado nada de verdadeiramente essencial nem, diga-se de passagem, muitas outras coisas supérfluas.
Sinto-me amado, gostado, apreciado, admirado, valorizado.
Exigir mais da vida, embora legítimo, não será exagero ou devaneio? Receio pensar na resposta.
No que a 1ª pessoa do singular puder ajudar a 1ª pessoa do plural, cá estarei, sempre e incondicionalmente, para todos.
Obrigado!
 

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