15 abril 2011

Beethoven ft. Perez Prado



E depois venham-me cá com histórias que existem gaps geracionais que impedem as crianças de gostar de música clássica e que as modas prevalecem sobre a qualidade. Dêm-me 3 minutos numa sala com miúdos e eu explicar-lhes-ei como o Rap ou o Hip-Hop são para a sociedade de hoje tão revolucionários como o foi a música de Wagner no seu tempo. Ou como o arroz de favas do nosso Eça era tão à frente como esta junk food que por aí grassa, mas muito mais saudável. Ou ainda, como o grafitti tem tanto de inovador, de artístico e de contestatário e rebelde como o movimento futurista do início do século XIX.
Dêem-me uma escola nova para os nossos filhos...

12 abril 2011

A HISTÓRIA DE UM DIA

A abóbada da tarde mais uma vez acaba
o sol de a fechar sobre a minha diária aventura
Viram-no partir pontualmente à mesma hora
quando num pouco de dia a um canto sempre a um canto
já eu tinha conseguido arredondar
uma íntima ampola de som para a palavra definitiva
Ia mesmo soltá-la eu que todo o dia fui para ela quando
ele me deixou e foi abrir outras portas
erguer verticalmente caídas esperanças
e passar novas mãos por tantas faces mortas
Só me resta recolher o meu rebanho de pensamentos
com um vago rumor de guizos
enquanto à beira-mar os camponeses deixam
palavras não aladas cair na água morta
Morro irremediavelmente nesses pensamentos
que ainda agora o sol iluminava
enquanto eu os estendia e os recolhia
e os orientava numa direcção que convinha
e os precipitava sobre o fumo de uma casa
sobre um buraco de luz ou uma coluna de fumo
mais volúveis que um bando de pássaros
Morro mais uma vez criticamente completo
Todos os gestos
carregados com vinte e quatro horas de história
de ventre ferido na aventura do restolho
petrificaram inevitavelmente
na face orientada de uma estátua
aqui ou noutro jardim
Todo o caminho é de regresso
Amanhã serei outro:
lavarei os dentes com toda a solenidade
como antigamente meu pai antes das grandes viagens
enquanto alguém no espelho
se encarregará de olhar pelos meus olhos
Assim sou passado de dia em dia
confiado pelo dia que parte ao dia que chega
não venha o sino que ao longe toca perturbar
as linhas de um rosto que recompus
e pus de pé na atmosfera doméstica
Fechar um postigo pode ser um gesto cheio de significado quando
na arrumada paisagem quotidiana
a expectativa marcada pela funda inspiração
nos revela duas ou três mãos
postas sobre a colina
Amanhã serei outro

Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates
 

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