27 outubro 2011

Sons

Partículas

Para as minhas partículas M&R.
Hoje é noite de pensar muito em vós, de contar muito convosco.
Hoje é noite de alienação.
Hoje é uma daquelas noites em que se antecipam maus sonhos (que não pesadelos).
O vento sopra lá fora. As vidraças vibram sob o fulgor dos elementos. É a mãe natureza a exibir com vaidade os seus atributos, como moça nova de mãos na cintura e peito empinado.
Por vezes sinto-me tão cansado.
Mas o que tem de mal o cansaço? Nada, não trouxesse com ele esse estado de resignação que me esmaga o peito.
Há alturas em que esta estúpida sensação de inércia, de impotência, me projecta numa espiral descendente que, de tão cruel, se apresenta sem fim.
Pudesse eu conhecer-lhe um final, vê-lo aproximar e, para meu gáudio e descanso, estatelar-me definitivamente.
Almejado descanso... porque não chegas?



A bad dream
Keane

19 outubro 2011

Fim de tarde a metro.

"Tá caro... os berlindes".
"Tá caro... os berlindes"?
Foi o que lhe pareceu ler enquanto se tentava suster dentro da composição do Metro, a alta velocidade.
Nova estação, nova paragem.
Novo arranque, aos soluços para arrumar a carga.
Novo letreiro luminoso:
- "Take care of your berlindes".
Desta vez tinha a certeza. E pensou:
- Mas que falta de originalidade.
Lembrou a sua avó (Santa Senhora):
- "Quando andares à pancada, toma cuidado com os berlindes" - dizia ela com ternura, enquanto lhe compunha a gola do casaco antes da ida para a escola primária.
Nova estação, nova paragem.
Novo arranque, novo letreiro:
- "Take care of your belongings".
Porra!
Não andando longe do mesmo significado, o facto é que a vista lhe falhara uma vez mais.
Nisto, a composição entrou a alta velocidade numa curva apertada, os carris chiando em protesto, não se sabe se contra o atrito se contra a troika, e toda a expressão take care of your belongings ganhou um novo significado.
Uma preta, vindo desamparada de estibordo, tentando desesperadamente agarrar o vácuo, assentou-lhe uma monumental castanhada de anca, fazendo-o desejar ter podido deixar as jóias de família dentro da gaveta da mesinha de cabeceira.
Perante um repetido "esculpa, esculpa!", anuiu com a cabeça, mirando o enorme chambão que lhe infligira o dano.
- "Chiça! Que montanha de carne" - observou, enquanto se recompunha física e mentalmente.
Nova curva. À cautela cruzou ligeiramente o joelho direito sobre o joelho esquerdo. Achando o trejeito um pouco efeminado, voltou à posição de "firme, sentido" que aprendera na recruta.
Mirou de soslaio a planta da linha amarela.
- "Já só faltam três estações" - pensou, enquanto tentava parar o movimento e congelar no espaço os azulejos que contam todos os dias histórias, quiçá novas, dos Descobrimentos, da nossa Cultura, do nosso jeito de ser português.
Que saudades de andar de Metro.
Que saudades da cruz...

Xácara das Bruxas Dançando
Trovante
 

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