04 setembro 2012

Um vento que sopra de Leste

Dia de mariscar nos rochedos a sul da Praia da Foz.
Duas palhaças logo na descida da escarpa, a fazer recordar que transpor pedras roliças e apreciar o nascer do sol sobre o azul cintilante do mar oceano são opções incompatíveis.
O mar, agreste na véspera, claudicara perante o vento Leste, mostrando-se agora dócil e submisso.
Na borda d'água, em demanda do apetecível percebe, acompanhei a descida da maré a caminho de mais um baixa-mar, perscrutando fendas e buracos, no convívio de lapas, mexilhões, caranguejos-mouros e anémonas azuis, verdes e lilases.
Fui escolhendo e arrecadando os exemplares adultos, poupando os juvenis. Lá mais para o Inverno, na captura dos sargos, lembrar-me-ei com satisfação de que contribuí para a sua dieta alimentar.
Virando a água para a enchente, sentei-me numa lage, com as pernas dentro de uma pequena furna, lavando cortes e esfoladelas, cicatrizes que o mar reclama como dote de uma porção de marisco.
Sem preocupações. O sal é panaceia suficiente para estas pequenas mazelas.
Hora de desligar. Os ouvidos são dispensados da permanente procura pelo inconfundível sussurro que anuncia a chegada das alterosas vagas oferecidas pelo mar de enchios, capaz de arrancar às pedras o incauto intruso.
Os sentidos aliviam, a cabeça ergue-se devolvendo à cervical a sua postura costumeira. Os olhos varrem uma primeira linha de laminárias e deliciam-se com as partículas de sedimentos que pairam voluptuosamente, como centelhas de luz, no ir e vir da corrente ascendente. Ao longe, os sulcos brancos das embarcações de pesca que regressam ao seu porto de abrigo depois de mais uma noite de faina.
É inevitável pensar em múltiplas dimensões da nossa existência: a nossa pequenez, a beleza desconcertante das coisas simples, o privilégio da pertença a este Universo.
São momentos em que tendemos a relativizar as coisas - passadas, presentes e futuras -, refrescamos o nosso conceito de "importância", em que, no limite, nos tornamos melhores seres humanos.
O mar, como nos lembra Michel Mollat du Jourdin, é fronteira do medo ou margem de esperança. Por mim, vejo nele uma contínua e inesgotável fonte de inspiração e coragem. E é por isso que à despedida lhe digo: Até sempre, meu irmão.

 

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