07 setembro 2012
04 setembro 2012
Um vento que sopra de Leste
Dia de mariscar nos rochedos a sul da Praia da Foz.
Duas palhaças logo na descida da escarpa, a fazer recordar que transpor pedras roliças e apreciar o nascer do sol sobre o azul cintilante do mar oceano são opções incompatíveis.
O mar, agreste na véspera, claudicara perante o vento Leste, mostrando-se agora dócil e submisso.
Na borda d'água, em demanda do apetecível percebe, acompanhei a descida da maré a caminho de mais um baixa-mar, perscrutando fendas e buracos, no convívio de lapas, mexilhões, caranguejos-mouros e anémonas azuis, verdes e lilases.
Fui escolhendo e arrecadando os exemplares adultos, poupando os juvenis. Lá mais para o Inverno, na captura dos sargos, lembrar-me-ei com satisfação de que contribuí para a sua dieta alimentar.
Virando a água para a enchente, sentei-me numa lage, com as pernas dentro de uma pequena furna, lavando cortes e esfoladelas, cicatrizes que o mar reclama como dote de uma porção de marisco.
Sem preocupações. O sal é panaceia suficiente para estas pequenas mazelas.
Hora de desligar. Os ouvidos são dispensados da permanente procura pelo inconfundível sussurro que anuncia a chegada das alterosas vagas oferecidas pelo mar de enchios, capaz de arrancar às pedras o incauto intruso.
Os sentidos aliviam, a cabeça ergue-se devolvendo à cervical a sua postura costumeira. Os olhos varrem uma primeira linha de laminárias e deliciam-se com as partículas de sedimentos que pairam voluptuosamente, como centelhas de luz, no ir e vir da corrente ascendente. Ao longe, os sulcos brancos das embarcações de pesca que regressam ao seu porto de abrigo depois de mais uma noite de faina.
É inevitável pensar em múltiplas dimensões da nossa existência: a nossa pequenez, a beleza desconcertante das coisas simples, o privilégio da pertença a este Universo.
São momentos em que tendemos a relativizar as coisas - passadas, presentes e futuras -, refrescamos o nosso conceito de "importância", em que, no limite, nos tornamos melhores seres humanos.
O mar, como nos lembra Michel Mollat du Jourdin, é fronteira do medo ou margem de esperança. Por mim, vejo nele uma contínua e inesgotável fonte de inspiração e coragem. E é por isso que à despedida lhe digo: Até sempre, meu irmão.
Duas palhaças logo na descida da escarpa, a fazer recordar que transpor pedras roliças e apreciar o nascer do sol sobre o azul cintilante do mar oceano são opções incompatíveis.
O mar, agreste na véspera, claudicara perante o vento Leste, mostrando-se agora dócil e submisso.
Na borda d'água, em demanda do apetecível percebe, acompanhei a descida da maré a caminho de mais um baixa-mar, perscrutando fendas e buracos, no convívio de lapas, mexilhões, caranguejos-mouros e anémonas azuis, verdes e lilases.
Fui escolhendo e arrecadando os exemplares adultos, poupando os juvenis. Lá mais para o Inverno, na captura dos sargos, lembrar-me-ei com satisfação de que contribuí para a sua dieta alimentar.
Virando a água para a enchente, sentei-me numa lage, com as pernas dentro de uma pequena furna, lavando cortes e esfoladelas, cicatrizes que o mar reclama como dote de uma porção de marisco.
Sem preocupações. O sal é panaceia suficiente para estas pequenas mazelas.
Hora de desligar. Os ouvidos são dispensados da permanente procura pelo inconfundível sussurro que anuncia a chegada das alterosas vagas oferecidas pelo mar de enchios, capaz de arrancar às pedras o incauto intruso.
Os sentidos aliviam, a cabeça ergue-se devolvendo à cervical a sua postura costumeira. Os olhos varrem uma primeira linha de laminárias e deliciam-se com as partículas de sedimentos que pairam voluptuosamente, como centelhas de luz, no ir e vir da corrente ascendente. Ao longe, os sulcos brancos das embarcações de pesca que regressam ao seu porto de abrigo depois de mais uma noite de faina.
É inevitável pensar em múltiplas dimensões da nossa existência: a nossa pequenez, a beleza desconcertante das coisas simples, o privilégio da pertença a este Universo.
São momentos em que tendemos a relativizar as coisas - passadas, presentes e futuras -, refrescamos o nosso conceito de "importância", em que, no limite, nos tornamos melhores seres humanos.
O mar, como nos lembra Michel Mollat du Jourdin, é fronteira do medo ou margem de esperança. Por mim, vejo nele uma contínua e inesgotável fonte de inspiração e coragem. E é por isso que à despedida lhe digo: Até sempre, meu irmão.
11 maio 2012
In illo tempore
Apreciar os que são dignos de apreço entre tanta mediocridade balôfa, sabe o povo muita vez; os governos quase nunca. As provas seriam de sobejo para encher volumes neste Portugal, onde Camões morreu numa enxerga, mas onde qualquer agiota tem a comenda de Cristo.
João da Câmara, in Revista O Occidente, nº 707, 20.08.1898, p. 186.
Naquele tempo o povo não votava todo. E hoje, qual é a desculpa?
João da Câmara, in Revista O Occidente, nº 707, 20.08.1898, p. 186.
Naquele tempo o povo não votava todo. E hoje, qual é a desculpa?
10 maio 2012
Escolhas
Sentado à mesa do Simão.
Uma mesa com tampo de azulejos de parede. Os bancos, corridos, forrados ao mesmo estilo, com estofos em pavimento cerâmico.
Uma travessa de petingas, ainda meio secas... Salvou-se a salada de tomate com pimentos.
Estreei a época de esplanada, debaixo de uma rede verde por onde tentam, ingloriamente, progredir videiras bravas.
A aragem fresca, que persiste, faz percurso inverso à localização de um vaso repleto de magnifica hortelã, que tenho mesmo à minha frente. Não saio sem levar uma folha.
São poucos mas inusitados os sítios ou as circunstâncias que nos levam a viajar interiormente. Comigo acontece, por exemplo, enquanto espero a comida que encomendei.
E foi assim, na expectativa de uma dúzia de sardinhas juvenis, que aflorou um recado recebido ainda não há muitos dias: "escolhe!" - disseram-me.
A vida é um rio que percorremos aos saltos de uma margem para outra. A escolha acontece quando paramos a meio do caudal de água e ficamos, qual rosa-dos-ventos numa carta de marear, sem saber qual o rumo a seguir. Esse é o ponto que marca o nosso livre arbítrio. Sabemos que o rio corre sem apelo nem agravo numa única direcção mas não nos livramos da responsabilidade de traçar direcções, destinos parciais.
Dei por mim a pensar que as escolhas se fazem não apenas no que concerne ao sentido de marcha mas também em relação ao tempo de decisão. Vou por aqui ou por ali? Para a frente? Para trás?... Vou já? Vou mais logo?
"Escolhe!"
Claro que sim. Mas escolho mais logo! Agora não me apetece. Apetece-me, isso sim, esperar um pouco.
Esperare
Presuntos Implicados
Uma mesa com tampo de azulejos de parede. Os bancos, corridos, forrados ao mesmo estilo, com estofos em pavimento cerâmico.
Uma travessa de petingas, ainda meio secas... Salvou-se a salada de tomate com pimentos.
Estreei a época de esplanada, debaixo de uma rede verde por onde tentam, ingloriamente, progredir videiras bravas.
A aragem fresca, que persiste, faz percurso inverso à localização de um vaso repleto de magnifica hortelã, que tenho mesmo à minha frente. Não saio sem levar uma folha.
São poucos mas inusitados os sítios ou as circunstâncias que nos levam a viajar interiormente. Comigo acontece, por exemplo, enquanto espero a comida que encomendei.
E foi assim, na expectativa de uma dúzia de sardinhas juvenis, que aflorou um recado recebido ainda não há muitos dias: "escolhe!" - disseram-me.
A vida é um rio que percorremos aos saltos de uma margem para outra. A escolha acontece quando paramos a meio do caudal de água e ficamos, qual rosa-dos-ventos numa carta de marear, sem saber qual o rumo a seguir. Esse é o ponto que marca o nosso livre arbítrio. Sabemos que o rio corre sem apelo nem agravo numa única direcção mas não nos livramos da responsabilidade de traçar direcções, destinos parciais.
Dei por mim a pensar que as escolhas se fazem não apenas no que concerne ao sentido de marcha mas também em relação ao tempo de decisão. Vou por aqui ou por ali? Para a frente? Para trás?... Vou já? Vou mais logo?
"Escolhe!"
Claro que sim. Mas escolho mais logo! Agora não me apetece. Apetece-me, isso sim, esperar um pouco.
Esperare
Presuntos Implicados
19 abril 2012
Como por magia
Ela, querendo encostá-lo à parede, procurava um beijo.
Ele, mais por pudor do que por falta de vontade, olhava em volta, atrapalhado, comprometido, sabe-se lá com o quê, sabe-se lá porquê.
Um jovem de manga curta empurrava compenetrado um carrinho de bébé carregando um petiz. O miúdo envergava um garrido barrete andino e, gozando a feliz circunstância da infância, sorvia visualmente tudo o que se lhe oferecia em redor.
Mudei a mala de ombro.
Segui caminho.
Na praça de táxis entremeavam-se mágoas carpidas e prognósticos para o jogo do Sporting.
Um pouco mais à frente, um desses novos nichos passíveis de análise antropológica e sociológica: os grupos de pessoas que se agregam para fumar um cigarro à porta dos prédios onde trabalham.
Uma senhora, de blusão de pele, saia curta e meias de renda, auto-contemplava-se. Quando reparou que eu olhava, sorriu. Um daqueles sorrisos que diz: "sou muito gira!". Mandei-lhe, na volta do correio, outro sorriso. Um daqueles que diz: "claro que és!".
Ao dobrar da esquina, uma velhinha de andarilho expressava facialmente aquele misto de cansaço e de desespero de quem não se vê chegar ao destino. Pensei: "Força, irmã!"
A vida pode não ser um mar de rosas. Ainda assim, e avaliando tudo o que nos é oferecido aproveitar ou desaproveitar, consciente ou inconscientemente, cada vez mais me convenço de que o pior inimigo que podemos ter reside dentro de nós próprios.
Sejamos bons. Sejamos cada vez melhores e até tudo em nosso redor adquirirá um brilho de renovado fulgor.
Hoje estou feliz! Vou rever um grande amigo.
É seguir a canção: "(...) vive, como por magia, a vida num só dia."
A vida num só dia
Rádio Macau
Ele, mais por pudor do que por falta de vontade, olhava em volta, atrapalhado, comprometido, sabe-se lá com o quê, sabe-se lá porquê.
Um jovem de manga curta empurrava compenetrado um carrinho de bébé carregando um petiz. O miúdo envergava um garrido barrete andino e, gozando a feliz circunstância da infância, sorvia visualmente tudo o que se lhe oferecia em redor.
Mudei a mala de ombro.
Segui caminho.
Na praça de táxis entremeavam-se mágoas carpidas e prognósticos para o jogo do Sporting.
Um pouco mais à frente, um desses novos nichos passíveis de análise antropológica e sociológica: os grupos de pessoas que se agregam para fumar um cigarro à porta dos prédios onde trabalham.
Uma senhora, de blusão de pele, saia curta e meias de renda, auto-contemplava-se. Quando reparou que eu olhava, sorriu. Um daqueles sorrisos que diz: "sou muito gira!". Mandei-lhe, na volta do correio, outro sorriso. Um daqueles que diz: "claro que és!".
Ao dobrar da esquina, uma velhinha de andarilho expressava facialmente aquele misto de cansaço e de desespero de quem não se vê chegar ao destino. Pensei: "Força, irmã!"
A vida pode não ser um mar de rosas. Ainda assim, e avaliando tudo o que nos é oferecido aproveitar ou desaproveitar, consciente ou inconscientemente, cada vez mais me convenço de que o pior inimigo que podemos ter reside dentro de nós próprios.
Sejamos bons. Sejamos cada vez melhores e até tudo em nosso redor adquirirá um brilho de renovado fulgor.
Hoje estou feliz! Vou rever um grande amigo.
É seguir a canção: "(...) vive, como por magia, a vida num só dia."
A vida num só dia
Rádio Macau
22 março 2012
Retalhos de um dia improvável
Um almoço:
Restaurante XXX (não interessa o nome), gerido por um senhor de provecta idade e suas duas filhas, moçoilas na casa dos trintas.
Repto lançado por um cliente:
- Ó Daniela (nome fictício)... está na berra um restaurante onde as empregadas andam a servir à mesa de lingerie e em topless.
Resposta pronta:
- Olha que boa ideia, eu e a minha irmã nesses propósitos. Até lhe arranjava uma mesinha mesmo ao pé do meu pai que, entretanto, estaria ao grelhador, de tanga padrão leopardo, a virar frangos no carvão.
Um café depois de almoço:
Bar da Biblioteca Nacional (não... não é fictício).
Eu ao balcão, duas empregadas a atender. Cavaqueira séria. O tema: celulite.
- Xiii, nem te digo. Sou uma desgraçada. É bués, aqui nas nalgas.
- Eu, nem por isso. Só uma beca aqui nas gambas (disse, batendo com as mãos nas coxas).
E o edifício, esse santuário da língua de Camões, sofreu um convulsivo estertor. Era, certamente, o reflexo telúrico do poeta às voltas na cova.
Restaurante XXX (não interessa o nome), gerido por um senhor de provecta idade e suas duas filhas, moçoilas na casa dos trintas.
Repto lançado por um cliente:
- Ó Daniela (nome fictício)... está na berra um restaurante onde as empregadas andam a servir à mesa de lingerie e em topless.
Resposta pronta:
- Olha que boa ideia, eu e a minha irmã nesses propósitos. Até lhe arranjava uma mesinha mesmo ao pé do meu pai que, entretanto, estaria ao grelhador, de tanga padrão leopardo, a virar frangos no carvão.
Um café depois de almoço:
Bar da Biblioteca Nacional (não... não é fictício).
Eu ao balcão, duas empregadas a atender. Cavaqueira séria. O tema: celulite.
- Xiii, nem te digo. Sou uma desgraçada. É bués, aqui nas nalgas.
- Eu, nem por isso. Só uma beca aqui nas gambas (disse, batendo com as mãos nas coxas).
E o edifício, esse santuário da língua de Camões, sofreu um convulsivo estertor. Era, certamente, o reflexo telúrico do poeta às voltas na cova.
11 janeiro 2012
Dizem-me
As tuas mãos são humildade.
Os teus lábios, gozo e sabedoria.
Os teus olhos são mistério.
As tuas mãos gostam de mim.
Os teus lábios tratam-me bem.
Mas os teus olhos, os teus olhos estão longe.
Lá, tão longe, onde o teu corpo não chega mas onde só tu sabes onde, se é que o sabes.
Alio (Mazurka)
Naragonia
Os teus lábios, gozo e sabedoria.
Os teus olhos são mistério.
As tuas mãos gostam de mim.
Os teus lábios tratam-me bem.
Mas os teus olhos, os teus olhos estão longe.
Lá, tão longe, onde o teu corpo não chega mas onde só tu sabes onde, se é que o sabes.
Alio (Mazurka)
Naragonia
Subscrever:
Mensagens (Atom)