23 fevereiro 2011

Conversas à boca do forno.

Domingo passado; Vimeiro; fábrica do pão.
- Então Ti Henrique? Anda desasado?
O homem, aparentando sessentas e algo, alto, camisa de xadrez e boné na cabeça, aproximou-se exibindo o braço direito ao peito, pendurado numa tira de gaze, e uma generosa tala no dedo médio.
- Vim à bôla para a rapaziada picar - disse apontando para um pavilhão rústico onde se jogavam cartas e chinquilho.
- O que lhe aconteceu, homem?
- Olhe, não quer lá ver a p...ta da minha sorte? Apanho g'andes babadeiras todos os dias; caio da mota no caminho p'a casa... nunca m'aleijei, só uns arranhõezitos de vez em quando. Ontem de manhã alevantei-me cedo p'a ir aos ouriços. Estava sentado no sofá da sala a calçar as meias e à espera qu'a melher me fizesse o piquen'almoço. Tenho um cão e uma cadela pequ'nitos. Fod...-se! Não é qu'aqueles filhos duma granda p...ta se pegam à dentada? Com a pressa de m'alivantar do sofá, escorregou-se-me o tapete do chão debaixo dos pés e catrapumba, arrebati de costas em cima dos mosaicos, caindo com o cú em cima da mão direita. Parti o dedo do meio!... Já viu isto?... Por causa do car...lho dos cães? S'eu ad'vinhasse tinha deixado que se comessem à dentada. É qu'ainda por cima foi a mão direita. Não posso conduzir a mota; não consigo jogar às cartas nem ao chinquilho e até a garrafa da mine não me dá jeito nenhum segurar com a mão esquerda.
- Porra, homem! Isso é que foi azar hein?
- É verdade. Ainda na véspera tinha saido daqui à uma da manhã com uma cadela danada. Na subida das belas - não sei como arranjei a coisa - desinqu'librei-me e taruz... estatelado no chão e ainda por cima no meio da estrada. Fiquei debaixo da mota. Quis sair debaixo daquela m...rda mas não tinha forças. Pois c'a babadeira que levava nos cornos... Vai daí, pensei: Olha... f...da-se! Deixa-te estar! E foi o que fiz. Puxei do tabaco e deixei-me ficar. Passado p'aí uma meia hora vejo dois faróis a virem pela estrada acima. Parou uma pick-up cinzenta à minha beira. Era um primo meu... "atão Henrique? O que fazes aí caido no meio da estrada?". Eu respondi-lhe "Olha... tou aqui fumando um cigarrito!".
[gargalhada generalizada]
- Então vá Ti Henrique. Leve lá a Bôla aos homens ou eles ainda julgam que se perdeu p'lo caminho.
- Ok! Passem bem que eu vou beber mais copo. Até mais!
- Até logo!

(Conversa verídica)

3 comentários:

Anónimo disse...

Já não gargalhava assim há muito tempo! Foi momento de doer muito a barriga e de quase não conseguir respirar de tanto rir! Muito bom o momento! Muito boa a partilha! Beijos e muitos sorrisos a gargalhar!

Alana

Unknown disse...

Vimeiro no seu melhor! Tecnologia de ponta com molas e a conversa do Zé Povinho, escrita como sempre na sua tradução à letra pelo Pirolito!

Bjokas da partícula M

Bicho-do-Mato disse...

Grande Amigo...

Só tu, para pintares magistralmente um quadro à José Malhoa, com a tua inconfundível caligrafia! com o teu sublime estilo! É um balsamo para a alma, chegar a casa e ter o privilégio de esquecer as agruras da vida com o teu inconfundível humor.
Obrigado pela partilha destes momentos tão especiais da tua vida.
Até breve.

J. F

 

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