Depois de mais uma estirada trôpega e vacilante, ele sucumbiu ao peso da lua cheia que iluminava o céu da aldeia. Deixou-se ficar sentado na valeta, de braço-dado com a estrada poeirenta.
Ela passou em galope veloz, montada na garupa da sua soberba.
Ele sorriu.
Um dia – pensou – um dia a humildade estampar-se-á na tua vida como cinco dedos na cara.
Soergueu-se e procurou o rumo de casa. Pensou num banho quente, no velho cadeirão coçado e num livro de poesia. Sim… de poesia, esse pasto da alma, esse vento Siroco que sempre depositara nas suas mãos eternas sementes de inquietação. Nela mergulhava todas as noites, como se num mar verde esmeralda. Fundo, tão fundo até onde o verde fica mais turvo e se soltam os gritos há muito tempo calados.
Ao retornar de cada uma dessas viagens, a sua existência não era mais a mesma, a sua consciência não estava já onde a havia deixado.
Um cachorro escanzelado atravessou-se-lhe ao caminho. Meio a medo, afoitou-se à força de tanta fome, com a cauda entre as pernas. Ganhou os restos de um pedaço de pão duro. Tudo se partilha, até mesmo a miséria quando nada mais há para partilhar.
Tirou do bolso uma garrafa de esperança. Sorveu um trago… e ainda outro.
Cerrou os olhos, deixou que a sua cabeça pendesse para trás. Inspirou fundo engasgando-se com a resposta de dois pulmões cheios de fumo e de mágoa.
Suspirou...
Contemplou o céu...
Avançou...
Viveu!
Sem cor
Dr1ve
17 março 2011
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4 comentários:
E quando se bebe esperança e se partilha e se levanta a cabeça ao céu e se avança ... o final só pode ser mesmo! Viver ... e ele viveu...e ele vive!
E se uma garrafa de esperança é pouco, tomamos outra e se a partilha é pobre hoje, amanhã será rica ! E se ... a mágoa enche os pulmões aliada ao fumo, amanhã será o coração a pulsar pela vida! E ... ele viveu! E ...ele vive!
Mesmo na miséria à sempre algo para partilhar. Um simples beijo, um simples abraço, úm obrigada...há sempre algo que podemos partilhar...nem que seja um simples gesto de AMOR.
A noite é escura, mas não é por isso que é menos bela que o dia.
Ré
Quem é a dama que passou em galope veloz, montada na garupa da sua soberba que te levou a escrever tão belo texto?
Bruxa Má
;-)
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