Fiquem-se aqui com estas linhas da autoria de Rui Tavares, (Jornal Público, 17.06.06), sobre essa entidade metafísica percursora dos blogs em Portugal. Depois digam se gostaram...
(...) Como escreveu uma vez Ricardo Araújo Pereira, o mais estimulante em Pacheco Pereira é mesmo "aquela compulsão para dizer o contrário do que o resto do mundo estiver a dizer na altura. Se houver muita gente indignada, Pacheco Pereira apela à serenidade. Se houver serenidade, Pacheco Pereira apela à indignação." O nosso problema é que, com um mês inteiro de futebol, ninguém liga nenhuma à nossa indignação e assim é impossível a Pacheco Pereira manter a serenidade.
Às vezes uma pessoa desanima, e é aí que escreve no blogue, como escreveu Pacheco Pereira: "Saltem muito, é o que vos desejo. A sério, saltem, saltem, pode vir daí uma desorganização das ideias que seja salutar à Pátria. Duvido, mas não excluo nenhum milagre." Pior ainda: às vezes achamos que o problema é só nosso. E aí verbalizamos, como Pacheco Pereira na televisão: "Nenhum país tem a vida pública tão dominada pelo futebol como Portugal."
Bem nos poderiam dizer que na Holanda e na Itália é igual, que em Inglaterra e no Brasil é pior. Também as mães de Bragança, até terem ganho consciência de classe, achavam que só elas eram infelizes e que nenhuma tinha um marido pior. Também elas desanimaram e os incitaram a sair de casa e prometeram mudar a fechadura (e escreve-se no blogue: "Ah! minha bela Futebolândia! Segue o exemplo do Montenegro e torna-te independente. Leva a televisão, a rádio e os jornais..."). E depois lhes pediram que afinal não fossem, lembrando que eram vãos aqueles prazeres que procuravam.
(...) Também elas usaram os filhos para convencer os maridos. Como escreveu Pacheco Pereira na Sábado: "Alguém vai pagar a conta: os nossos filhos que tanto estimamos e de cujo infinito carinho por eles nunca permitiríamos que alguém duvidasse, lá estarão a pagar a prazo a festa de todas estas férias, de todos estes feriados, de todo este Algarve, de todos estes ecrãs de plasma gigantes, de todo este futebol fandango." Eis a Mãe de Bragança tentando chegar a Velho do Restelo: subitamente, o problema já não é só o futebol. É tudo. Os passeios nos feriados, as férias no Algarve, o povo que vai para a praia quando está calor.
O meu fascínio mantém-se, portanto. Apenas atenuado quando vejo Pacheco Pereira começar a duvidar de si mesmo. "Eu não tenho jeito para calvinista e admoestador dos costumes alheios", escreveu na Sábado. Não se menospreze, homem. Usando linguagem futebolística, dir-se-ía: é um calvinista e admoestador já com alguma experiência, mas que ainda tem margem de progressão.
21 junho 2006
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