22 setembro 2010

Poesia portuguesa

Há pouco estive na FNAC para comprar poesia portuguesa.
Procurei, procurei e... lá estava: "Poesia".
A secção de "Poesia" da FNAC do Almada Fórum é composta por uma tímida estante, (mais estreita do que aquelas que compramos nos hipermercados), com meia-dúzia de prateleiras entre as quais se dividem autores portugueses e estrangeiros.
Arreliado, dirigi-me a um dos balcões de apoio e reclamei. Não se admite que de autores como Camões, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro ou Ruy Belo, se encontre disponível apenas um título de cada. Escapava a esta miséria a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, talvez porque a Editorial Caminho... é a Editorial Caminho.
Responderam-me o óbvio: que a poesia não vende, a maioria das editoras faliu ou está a falir, as edições têm sempre tiragens apenas na ordem dos 1200, 1500 exemplares...
Seja! Mas ficou a reclamação...
É o pão nosso de cada dia, é o quotidiano da Cultura portuguesa, engolida que vai sendo por acordos ortográficos e literatura de supermercado.
Por falar em quotidiano, aqui fica o nosso descontentamento manifestado com recurso a um grande poeta.

Poema Quotidiano

É tão depressa noite neste bairro
Nenhum outro porém senhor administrador
goza de tão eficiente serviço de sol
Ainda não há muito ele parecia
domiciliado e residente ao fim da rua
O senhor não calcula todo o dia
que festa de luz proporcionou a todos
Nunca vi e já tenho os meus anos
lavar a gente as mãos no sol como hoje


Donas de casa vieram encher de sol
cântaros alguidares e mais vasos domésticos
Nunca em tantos pés
assim humildemente brilhou
Orientou diz-se até os olhos das crianças
para a escola e pôs reflexos novos
nas míseras vidraças lá do fundo


Há quem diga que o sol foi longe demais
Algum dos pobres desta freguesia
apanhou-o na faca misturou-o no pão
Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar... Foi uma autêntica loucura
O astro-rei tornado acessível a todos
ele que ninguém habitualmente saudava
Sempre o mesmo indiferente
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados
Íamos vínhamos entrávamos não víamos
aquela persistência rubra. Ousaria
alguém deixar um só daqueles raios
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?


Mas hoje o sol
morreu como qualquer de nós
Ficou tão triste a gente destes sítios
Nunca foi tão depressa noite neste bairro

Ruy Belo, in Aquele Grande Rio Eufrates

Sem comentários:

 

is where my documents live!