30 novembro 2010

Velha em paragem de autocarro

Sentada, de olhar perdido no vazio, aconchega no colo a carteira e o chapéu de chuva castanhos.
Leva uma mão à boca e corre todos os dedos em demanda de uma unha para roer. Desiste, exalando um suspiro de frustração que sai enrolado ao pescoço de uma baforada de ar quente.
Consulta o relógio.
Franzindo a tez, apura dois olhos míopes e procura, no fundo da rua, o autocarro que não chega.
Levanta a cabeça. Sorri...
Diverte-se com as nuvens que trabalham o azul do céu como uma renda de bilros. A lua, em quarto minguante, espreita lá de longe como que a dizer "gosto muito de ti!".
Pousando o queixo na palma de uma mão, cotovelo apoiado no joelho, pensa nos filhos que não lhe telefonam nem a visitam senão em ocasiões festivas. Procura um raciocínio que a console... Não estar perto de determinadas pessoas não significa que não as amemos. Por vezes, essa distância, esse estar apartado, faz com que as amemos ainda mais.
É isso!... Só pode ser isso!... O contrário seria impensável.
Interrompida pelo som familiar do transporte que chega, levanta-se do banco da paragem esboçando um esgar de dor. É só mais um pouco. Daqui a nada estará sentada no banco do autocarro, à janela, de olhar uma vez mais perdido no vazio.

1 comentário:

Unknown disse...

Por vezes olhar o vazio é mesmo olhar dentro de nós! E isso é muito bom ...mesmo! Bjokinhas

 

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