Enquanto lavava os dentes, o menino mirava-se no espelho e pensava: “És lindo!”
Pegou no pente e iniciou a sua faina diária de 45 minutos a ajeitar a poupa.
Conterrâneo de D. Afonso Henriques – O Conquistador, tinha neste o seu ídolo, ou melhor, a sua referência. Sim, porque haveria de chegar ainda mais longe. Afinal de contas, D. Afonso fora filho de Conde mas ele era filho de Governador Civil.
Não chegaria a rei, certamente… Mas de uma “Pasta” ninguém o privaria. A da Cultura… talvez; ou a da Ciência… Vacilava ainda sobre a qual delas fazer ponto de mira.
Depois de uma experiência fracassada numa aula de química, em que havia provocado a explosão de um laboratório e o incêndio de parte significativa do liceu, o menino havia sido chamado ao Conselho Directivo. Instado a justificar-se, iniciou uma verborreia de hora e meia de considerações sobre os problemas filosóficos colocados pela ciência, particularmente o do valor do conhecimento científico, até que uma das professoras, já em agonia, o interrompeu dizendo-lhe: “O menino há-de ter muito futuro mas é no domínio da Epistemologia. Entretanto, não se chegue ao fogão lá de casa nem toque nos electrodomésticos!”
Este comentário, que lhe cheirara a premonição, fazia com que o seu coração pendesse mais para a Cultura. Era isso!... Haveria de ser Ministro da Cultura.
Tal como o Conquistador se havia livrado do jugo galego em Guimarães, também ele aproveitaria para libertar todo um povo, agrilhoado que estava à cultura popular, enfiando-lhe pela goela dentro uma cultura de elite, cosmopolita, de apologia da estética na inversa proporção do interesse suscitado. A sua máxima seria: “O que é incompreensível é bom!”
Ohhhhh!... Quão orgásmica seria a sua vingança. O Conquistador vingara-se da subserviência de sua mãe; ele vingar-se-ia do sacrifício ritual, imposto por anos de autoridade matriarcal: O de ter que ouvir diariamente a rádionovela “Simplesmente Maria”.
Não olharia a meios para atingir tão glorioso fim. Tal como D. Afonso enganara o Papa, desprezando obediências anteriormente juradas, também ele enganaria este mundo e o outro… Primeiro, eu; segundo, a minha pessoa; terceiro, moi même!
Esbanjaria ao desvario. Assim como o Conquistador desbaratara os Mouros, ele desbarataria o erário público.
Investiria em propaganda. A Comunicação Social haveria de ser o seu Geraldo Sem Pavor.
Haveria de persistir até ao limite das suas forças.
E se o atavismo do povo, a ignorância das massas ou miséria do país o derrubassem, logo se haveria de arranjar uma outra solução de empenhamento. Uma coisita mais modesta… mais dentro da exaurida capacidade de compreensão deste povo energúmeno… talvez uma presidência de Câmara, ou coisita do género…
“É isso!” pensou, compondo a poupa.
“E vou fazê-lo sem ter nunca que apertar a mão seja de quem for!” prometeu a si mesmo enquanto arrumava o último pentelho.
23 setembro 2005
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