Uma esquina de passeio como tantas outras...
O lancil corre em cotovelo, carregando as lordoses impostas pelo pisar e repisar constantes de pneus de automóveis mal estacionados.
Um ecoponto saturado, imundo, mantém alguma dignidade graças à lâmpada fundida de um candeeiro de rua que desistiu de iluminar.
A tristeza paira dominadora, saturando o ar, exibindo o seu véu obscuro de forma magestática.
Aqui, um televisor de cinescópio, esventrado, resignado à sua obsolescência e à ingratidão de quem dele disfrutou.
Ali, um novelo indecifrável de camisolas de malha e latas de conserva, numa promiscuidade de fibras e gorduras dificilmente suportáveis.
Acolá, um pacote de cereais acolhe agora uma fralda de criança.
Uma boneca desmembrada jaz de costas na calçada, contemplando as estrelas. A seu lado, mas irremediavelmente apartado, um braço de borracha, a palma da mão virada para o céu, os dedos entreabertos, suplicando o abraço e o colo de meninas de outrora, agora feitas mulheres.
Um reposteiro carmim repousa perigosamente entre o passeio e o asfalto. Exibe com orgulho os berloques que rematam o debruado de um dourado que perdeu o fulgor. Sob a sua cobertura, um rafeiro sem brilho nos olhos prepara-se para a noite, sacundindo sarna e pulgas uma última vez antes de se enroscar sobre um chão molhado, frio, inóspito, tal como a vida para a qual foi parido sem voto na matéria.
As luzes de um carro que passa descobrem duas órbitas brilhantes num vulto que se encontra encostado ao vidrão. Um gato. Ali está... imóvel, impávido. Não se percebe se vencido e conformado, se expectante e determinado.
Uma rajada de vento levanta no ar uma espiral de maus-cheiros, sacos de plástico, papéis com figuras - pedaços de um baralho que esta noite joga as suas últimas cartadas.
Estou confuso!
O vento troca-me as ideias com a mesma facilidade com que baralha as cartas que se contorcem sobre si, enrolando pedaços da noite.
Levanto-me dos degraus de mármore em que me encontrava sentado, aspirando mais uma nuvem de fumo de um cigarro que desejei mas não fumei.
Rezo por alguma paz, peço luz na minha vida...
Afinal de contas só Deus sabe aquilo que nos está reservado... ao virar de mais uma esquina.
01 novembro 2010
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3 comentários:
Por vezes quando estou confusa é sinal que as certezas ou incertezas do passado se evaporam(boas ou más).
A confusão pode significar mudanças.
E de repente num virar de esquina ou avenida eis...que ...
Mas lixo meu amigo tu não serás NUNCA!
Beijokas
É isso mesmo, campeão! "O tempo tudo subjuga" e como muito bem disseste, só Deus sabe o que nos está reservado.
"Carpe Diem".
Abraço,
J.F.
FB
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