26 junho 2010
21 junho 2010
Uma última dança lenta
Por entre o luar e as sombras, procuraram-se.
Rosmaninho, alecrim e alfazema reclamavam os odores da noite.
Ao longe alguém levantou o volume de um rádio e o silêncio do momento encheu-se de uma das mais belas canções alguma vez escritas: It's all over now, Baby Blue.
O estertor provocado pelo tom ameaçadoramente premonitório das palavras urgiu o enlace entre ambos.
Deram-se as mãos, deram-se os lábios... deram-se os corpos. Não se trocaram garantias de presente nem promessas de futuro.
Junto ao ouvido dela, ele não abriu a boca para uma única das muitas palavras de amor que ela ouviu naquele instante. Assim era sem necessário ser. Assim se falava sem dizer.
Um corrupio de carícias percorreu ambos os corpos, prazeres e sevícias aplicados reciprocamente até onde a latitude de cada um o permitiu.
Encurralados entre o instante fugaz e a possibilidade de serem observados, amaram-se em silêncio.
Suspiro sobre suspiro, arrepio sobre arrepio, construiram um momento de êxtase comum. Dedos cravados na alma entre-puxaram os corpos, a cadência aumentou e cabeças penderam para trás.
Tudo parou: o movimento aparente das estrelas cessou e o céu, cumprindo a canção, dobrou-se sobre ambos, naquilo que foi, tanto e tão pouco, um princípio e um fim.
It's all over now, baby blue
Bella Wagner
(Original de Bob Dylan)
Rosmaninho, alecrim e alfazema reclamavam os odores da noite.
Ao longe alguém levantou o volume de um rádio e o silêncio do momento encheu-se de uma das mais belas canções alguma vez escritas: It's all over now, Baby Blue.
O estertor provocado pelo tom ameaçadoramente premonitório das palavras urgiu o enlace entre ambos.
Deram-se as mãos, deram-se os lábios... deram-se os corpos. Não se trocaram garantias de presente nem promessas de futuro.
Junto ao ouvido dela, ele não abriu a boca para uma única das muitas palavras de amor que ela ouviu naquele instante. Assim era sem necessário ser. Assim se falava sem dizer.
Um corrupio de carícias percorreu ambos os corpos, prazeres e sevícias aplicados reciprocamente até onde a latitude de cada um o permitiu.
Encurralados entre o instante fugaz e a possibilidade de serem observados, amaram-se em silêncio.
Suspiro sobre suspiro, arrepio sobre arrepio, construiram um momento de êxtase comum. Dedos cravados na alma entre-puxaram os corpos, a cadência aumentou e cabeças penderam para trás.
Tudo parou: o movimento aparente das estrelas cessou e o céu, cumprindo a canção, dobrou-se sobre ambos, naquilo que foi, tanto e tão pouco, um princípio e um fim.
It's all over now, baby blue
Bella Wagner
(Original de Bob Dylan)
19 junho 2010
17 junho 2010
Final de ano lectivo / Final de ciclo
O meu David terminou a 4ª Classe ou, como agora se diz, o 1º Ciclo do Ensino Básico.
Hoje houve festa de despedida do ano lectivo na escola. Fez-se um pequeno lanche de confraternização e a miudagem preparou uma peça de teatro para nos oferecer.
Uns mais dados às artes do palco, outros menos, mas todos cheios de um empenhamento a perder de vista, desenrolaram a história do Palácio de Queluz e das suas figuras e figurões. Houve de tudo, personagens históricos e personagens inventados. Lá andavam D. Maria, D. João VI, D. Carlota Joaquina, as filhas todas, um rol de personagens imaginados pelos próprios alunos, todos com direito a cognome. Só faltou um Marquês de Marialva para perseguir a Rainha pelos jardins do Palácio (se bem que eu ache que a coisa era mais o inverso. Mas adiante...).
O meu pirralho apresentou-se ao público como sendo D. David, o Risotas. O cognome, escolhido por ele próprio, terá de certeza razão de ser pois quando se apresentou, o remanescente da Corte disparou numa gargalhada generalizada. E lá continuou D. David afirmando que vivera no Palácio de Queluz durante o séc. XIX, morrendo sem deixar amigos nem descendência.
Sem deixar amigos nem descendência??? Mas quem raio terá sugerido isto ao miúdo? - pensei eu imediatamente.
Apresentada toda a Corte e terminada a peça, os pequenotes ofereceram aos pais uma versão muito bem ensaiada do tema que abaixo vos deixo.
Findas as formalidades, chamei D. David, o Risotas, à parte e perguntei-lhe de quem fora a ideia do sem deixar amigos nem descendência, ao que me respondeu:
- Foi minha! Foi para dar a ideia de que nem tudo são risotas.
Não há nada que valha mais do que o amor incondicional de uma criança nem algo de tão admirável quanto qualquer um dos seus raciocínios cristalinos.
Meu filho: não consigo adivinhar o quanto gostas de mim, embora tenhas cantado que "é desde aqui até à Lua". O meu amor por ti não cabe na minha capacidade de expressão, mas monta a galope cada batida do meu coração.
Adivinha quanto gosto de ti
André Sardet
Hoje houve festa de despedida do ano lectivo na escola. Fez-se um pequeno lanche de confraternização e a miudagem preparou uma peça de teatro para nos oferecer.
Uns mais dados às artes do palco, outros menos, mas todos cheios de um empenhamento a perder de vista, desenrolaram a história do Palácio de Queluz e das suas figuras e figurões. Houve de tudo, personagens históricos e personagens inventados. Lá andavam D. Maria, D. João VI, D. Carlota Joaquina, as filhas todas, um rol de personagens imaginados pelos próprios alunos, todos com direito a cognome. Só faltou um Marquês de Marialva para perseguir a Rainha pelos jardins do Palácio (se bem que eu ache que a coisa era mais o inverso. Mas adiante...).
O meu pirralho apresentou-se ao público como sendo D. David, o Risotas. O cognome, escolhido por ele próprio, terá de certeza razão de ser pois quando se apresentou, o remanescente da Corte disparou numa gargalhada generalizada. E lá continuou D. David afirmando que vivera no Palácio de Queluz durante o séc. XIX, morrendo sem deixar amigos nem descendência.
Sem deixar amigos nem descendência??? Mas quem raio terá sugerido isto ao miúdo? - pensei eu imediatamente.
Apresentada toda a Corte e terminada a peça, os pequenotes ofereceram aos pais uma versão muito bem ensaiada do tema que abaixo vos deixo.
Findas as formalidades, chamei D. David, o Risotas, à parte e perguntei-lhe de quem fora a ideia do sem deixar amigos nem descendência, ao que me respondeu:
- Foi minha! Foi para dar a ideia de que nem tudo são risotas.
Não há nada que valha mais do que o amor incondicional de uma criança nem algo de tão admirável quanto qualquer um dos seus raciocínios cristalinos.
Meu filho: não consigo adivinhar o quanto gostas de mim, embora tenhas cantado que "é desde aqui até à Lua". O meu amor por ti não cabe na minha capacidade de expressão, mas monta a galope cada batida do meu coração.
Adivinha quanto gosto de ti
André Sardet
15 junho 2010
O dia em que S. Lourenço chorou.
Como não sabia sobre o que escrever fui aconselhado ao telefone (bj grande, Ré) a escrever sobre essa mesma ausência de vontade. Achei que este meu repositório de memórias merecia algo menos estéril. Mas onde procurar inspiração quando as musas não nos acodem?
Em processo retrospectivo fui rebobinando estas minhas últimas horas e não é que?...
Estive ao fogão a fazer a janta. Um bife do acém, modesto - desemprego oblige - e um panelão cheio de legumes cozidos. Cenoura, feijão verde, bróculos e uma courgete.
Enquanto fui depositando os legumes no tacho consoante os diversos tempos de cozedura, (gosto de tudo al dente), mantive uma acesa conversa com o meu São Lourenço que reside sobre a aba do extractor de fumos.
São Lourenço era Espanhol (das poucas coisas boas oriundas de Espanha - entre o presunto, as espanholas e... não me consigo lembrar de mais nada). Viveu no século III e foi um dos primeiros diáconos da Igreja Católica. Era o responsável pelo tesouro e pela distribuição das esmolas. Em 257 o Imperador Valeriano, com Roma tão tesa quanto o Portugal de hoje, decretou a apreensão dos bens da Igreja. O Papa Sisto II recusou e, em consequência, foi decapitado. A caminho do cadafalso, Lourenço ter-se-á aproximado do Papa e dito:
- Onde vai meu pai sem seu diácono?
Ao que Sisto II terá respondido:
- Não penses que te abandono, meu filho. Dentro de três dias voltarei a estar na tua presença!
Valeriano ordenou a Lourenço que, no prazo de três dias, procedesse à entrega de todas riquezas da Igreja. Durante esse período Lourenço distribuiu todo o dinheiro existente pelos pobres de Roma. No dia indicado compareceu perante o Imperador e, acompanhado por todos estes pobres, proferiu a seguinte a frase:
- Eis Senhor, a riqueza da Igreja!
Valeriano condenou-o a ser morto pelo fogo, mais exactamente sobre uma grelha. Consta que, durante o suplício, Lourenço terá dito aos seus carrascos:
- Podem virar-me para o outro lado porque deste já estou bem passado!
E por que carga de água tenho eu um São Lourenço sobre o fogão?
Porque devido ao episódio da grelha, São Lourenço foi, desde então, adoptado como Santo padroeiro dos cozinheiros.
Pensavam o quê? Que a conversa não ia dar em nada? Que era só um devaneio motivado pelo rum? Hein?
Trocávamos nós alegres impressões sobre o facto de a carne já não ser o que era, de os legumes terem perdido grande parte do seu sabor característico, quando lhe perguntei;
- Lourenço... sabes do que é que eu não gosto mesmo? É de fazer comer só para mim.
Tenho saudades de fazer comer para muitos, de tentar satisfazer todos os gostos, de me zangar quando os desafios culinários dão mal resultado...
Gostaste de repartir as riquezas pelos indigentes? Gostaste de servir aqueles que amavas? Também eu gostava de poder fazer o mesmo.
Não sei se foi do rum mas juro-vos que São Lourenço chorou... E eu chorei com ele...
Em processo retrospectivo fui rebobinando estas minhas últimas horas e não é que?...
Estive ao fogão a fazer a janta. Um bife do acém, modesto - desemprego oblige - e um panelão cheio de legumes cozidos. Cenoura, feijão verde, bróculos e uma courgete.
Enquanto fui depositando os legumes no tacho consoante os diversos tempos de cozedura, (gosto de tudo al dente), mantive uma acesa conversa com o meu São Lourenço que reside sobre a aba do extractor de fumos.
São Lourenço era Espanhol (das poucas coisas boas oriundas de Espanha - entre o presunto, as espanholas e... não me consigo lembrar de mais nada). Viveu no século III e foi um dos primeiros diáconos da Igreja Católica. Era o responsável pelo tesouro e pela distribuição das esmolas. Em 257 o Imperador Valeriano, com Roma tão tesa quanto o Portugal de hoje, decretou a apreensão dos bens da Igreja. O Papa Sisto II recusou e, em consequência, foi decapitado. A caminho do cadafalso, Lourenço ter-se-á aproximado do Papa e dito:
- Onde vai meu pai sem seu diácono?
Ao que Sisto II terá respondido:
- Não penses que te abandono, meu filho. Dentro de três dias voltarei a estar na tua presença!
Valeriano ordenou a Lourenço que, no prazo de três dias, procedesse à entrega de todas riquezas da Igreja. Durante esse período Lourenço distribuiu todo o dinheiro existente pelos pobres de Roma. No dia indicado compareceu perante o Imperador e, acompanhado por todos estes pobres, proferiu a seguinte a frase:
- Eis Senhor, a riqueza da Igreja!
Valeriano condenou-o a ser morto pelo fogo, mais exactamente sobre uma grelha. Consta que, durante o suplício, Lourenço terá dito aos seus carrascos:
- Podem virar-me para o outro lado porque deste já estou bem passado!
E por que carga de água tenho eu um São Lourenço sobre o fogão?
Porque devido ao episódio da grelha, São Lourenço foi, desde então, adoptado como Santo padroeiro dos cozinheiros.
Pensavam o quê? Que a conversa não ia dar em nada? Que era só um devaneio motivado pelo rum? Hein?
Trocávamos nós alegres impressões sobre o facto de a carne já não ser o que era, de os legumes terem perdido grande parte do seu sabor característico, quando lhe perguntei;
- Lourenço... sabes do que é que eu não gosto mesmo? É de fazer comer só para mim.
Tenho saudades de fazer comer para muitos, de tentar satisfazer todos os gostos, de me zangar quando os desafios culinários dão mal resultado...
Gostaste de repartir as riquezas pelos indigentes? Gostaste de servir aqueles que amavas? Também eu gostava de poder fazer o mesmo.
Não sei se foi do rum mas juro-vos que São Lourenço chorou... E eu chorei com ele...
Parece mal...
Parece mal mas sabe tão bem...
Tal como o acto de espreguiçar...
Hoje a nossa apetência bloguística encontra-se algo perturbada por uma quantidade absurda de rum, lima, açúcar, hortelã e gelo. Ou seja: foi, é e será dia de Mojitos.
Não até que a morte nos separe mas, pelo menos, até já não ser capaz de fazer o próximo.
Só um momento... vou fazer outro!
Vão-se entretendo com este som...
Partilhem este meu estado de alma... ou não.
Away From the Sun
3 Doors Down
Volto já!...
Tal como o acto de espreguiçar...
Hoje a nossa apetência bloguística encontra-se algo perturbada por uma quantidade absurda de rum, lima, açúcar, hortelã e gelo. Ou seja: foi, é e será dia de Mojitos.
Não até que a morte nos separe mas, pelo menos, até já não ser capaz de fazer o próximo.
Só um momento... vou fazer outro!
Vão-se entretendo com este som...
Partilhem este meu estado de alma... ou não.
Away From the Sun
3 Doors Down
Volto já!...
14 junho 2010
Krishnamurti
I maintain that Truth is a pathless land, and you cannot approach it by any path whatsoever, by any religion, by any sect. That is my point of view, and I adhere to that absolutely and unconditionally. Truth, being limitless, unconditioned, unapproachable by any path whatsoever, cannot be organized; nor should any organization be formed to lead or to coerce people along any particular path. If you first understand that, then you will see how impossible it is to organize a belief. A belief is purely an individual matter, and you cannot and must not organize it. If you do, it becomes dead, crystallized; it becomes a creed, a sect, a religion, to be imposed on others. This is what everyone throughout the world is attempting to do. Truth is narrowed down and made a plaything for those who are weak, for those who are only momentarily discontented. Truth cannot be brought down, rather the individual must make the effort to ascend to it. You cannot bring the mountain-top to the valley. If you would attain to the mountain-top you must pass through the valley, climb the steeps, unafraid of the dangerous precipices.
AQUI
AQUI
12 junho 2010
Desabafo
Como reza uma certa canção: I'm sick and tired of always being sick and tired!
Não há paciência nem entusiasmo para o que quer que seja. Estou farto desta merda toda!
O que querem mais de mim? Já não chega? É preciso chegar a que ponto?
(Agradeço que não comentem!!!)
Não há paciência nem entusiasmo para o que quer que seja. Estou farto desta merda toda!
O que querem mais de mim? Já não chega? É preciso chegar a que ponto?
(Agradeço que não comentem!!!)
BSO I
Forbidden Colours
David Sylvian / Ryuichi Sakamoto
"Merry Christmas Mr. Lawrence" / "Feliz Natal Mr. Lawrence" - 1983
11 junho 2010
10 junho 2010
A mulher da geração Pandora
A minha amiga Estela afirma a pés juntos que existe uma mulher Pandora.
Segundo ela, esta criatura tem entre trinta e quarenta anos. Na infância e adolescência foi sendo formatada pela mãezinha para um determinado percurso optimizado de vida: estudar até rebentar e tirar um curso superior à força (nem que fosse uma coisa de difícil aplicação profissional, tipo Línguas e Literaturas ou Engenharia Alimentar); desencantar urgentemente um emprego (nem que não tivesse nada a ver com o curso superior recém-concluído); arranjar sem demora um namorado com futuro (nem que não fosse exactamente o príncipe encantado com que sempre sonhara); comprar casa e casar ao fim de um ano; engravidar imediatamente e ter um primeiro filho; ter um segundo filho, um ano depois do primeiro; entrar em velocidade de cruzeiro e aguentar sem tugir nem mugir as vicissitudes de ter que tratar da casa e dos filhos; aturar um patrão irascível; e estar sempre disponível para os apetites sexuais do marido que, entretanto, se tornou cada vez distante.
Almejando ultrapassar o arrepio que esta descrição me causou, fui tentando aplicar a fórmula a algumas mulheres que conheço e que, de algum modo, se poderiam encaixar no padrão.
Hmmmmmm!
Mas o que tem isso a ver com Pandora? perguntei.
Foi então que me explicou, tim-tim por tim-tim, o carácter etno-antropológico que subjaz à pulseira Pandora e a toda a panóplia de pequenas peças compradas separadamente, com as quais se vai compondo gradualmente a dita pulseira. Cada uma dessas peças, designadas charms, pretende simbolizar um momento marcante ou uma ocasião especial na vida da sua detentora. Assim, o sucesso de uma mulher Pandora mede-se pela quantidade e qualidade dos charms que a sua pulseira ostenta.
Tremi ao pensar que esta peça de joalharia feita vitrina de troféus é a versão feminina e contemporânea equivalente aos colares feitos com as orelhas de inimigos que os homens de algumas tribos da Nova-Guiné traziam orgulhosamente ao pescoço...
E de repente voltei a tremer. Lembrei-me de que algumas das mulheres minhas conhecidas nas quais tinha pensado anteriormente exibem, realmente, as famigeradas pulseiras.
Meu Deus... será possível?
Segundo ela, esta criatura tem entre trinta e quarenta anos. Na infância e adolescência foi sendo formatada pela mãezinha para um determinado percurso optimizado de vida: estudar até rebentar e tirar um curso superior à força (nem que fosse uma coisa de difícil aplicação profissional, tipo Línguas e Literaturas ou Engenharia Alimentar); desencantar urgentemente um emprego (nem que não tivesse nada a ver com o curso superior recém-concluído); arranjar sem demora um namorado com futuro (nem que não fosse exactamente o príncipe encantado com que sempre sonhara); comprar casa e casar ao fim de um ano; engravidar imediatamente e ter um primeiro filho; ter um segundo filho, um ano depois do primeiro; entrar em velocidade de cruzeiro e aguentar sem tugir nem mugir as vicissitudes de ter que tratar da casa e dos filhos; aturar um patrão irascível; e estar sempre disponível para os apetites sexuais do marido que, entretanto, se tornou cada vez distante.
Almejando ultrapassar o arrepio que esta descrição me causou, fui tentando aplicar a fórmula a algumas mulheres que conheço e que, de algum modo, se poderiam encaixar no padrão.
Hmmmmmm!
Mas o que tem isso a ver com Pandora? perguntei.
Foi então que me explicou, tim-tim por tim-tim, o carácter etno-antropológico que subjaz à pulseira Pandora e a toda a panóplia de pequenas peças compradas separadamente, com as quais se vai compondo gradualmente a dita pulseira. Cada uma dessas peças, designadas charms, pretende simbolizar um momento marcante ou uma ocasião especial na vida da sua detentora. Assim, o sucesso de uma mulher Pandora mede-se pela quantidade e qualidade dos charms que a sua pulseira ostenta.
Tremi ao pensar que esta peça de joalharia feita vitrina de troféus é a versão feminina e contemporânea equivalente aos colares feitos com as orelhas de inimigos que os homens de algumas tribos da Nova-Guiné traziam orgulhosamente ao pescoço...
E de repente voltei a tremer. Lembrei-me de que algumas das mulheres minhas conhecidas nas quais tinha pensado anteriormente exibem, realmente, as famigeradas pulseiras.
Meu Deus... será possível?
09 junho 2010
Nova rubrica?
Como já devem ter reparado, os meus gostos musicais são bastante ecléticos.
Gosto imenso de estar a ler com música de fundo. Foi por isso que resolvi polvilhar os meus posts com sons de diversos tons (perdoem-me o trocadilho).
Estou a pensar em criar uma rubrica muito simples que consistirá em editar temas provenientes de bandas sonoras do cinema. O que acham?
Já agora contribuam com a vossa opinião para o título da rubrica.
OST (de Original Soundtrack)?
ou
BSO (de Banda Sonora Original)?
Conto convosco!
Gosto imenso de estar a ler com música de fundo. Foi por isso que resolvi polvilhar os meus posts com sons de diversos tons (perdoem-me o trocadilho).
Estou a pensar em criar uma rubrica muito simples que consistirá em editar temas provenientes de bandas sonoras do cinema. O que acham?
Já agora contribuam com a vossa opinião para o título da rubrica.
OST (de Original Soundtrack)?
ou
BSO (de Banda Sonora Original)?
Conto convosco!
Como uma folha no vento
Um pequeno rectângulo de dezoito por treze centímetros. Duas calhas cromadas aplicadas nas extremidades superior e inferior comprimiam a base e o vidro. Aconchegada entre ambos morava uma fotografia. Não uma fotografia qualquer. O teu retrato.
Contemplei-te, a medo. Há muito que o não fazia. Mais exactamente desde que foras, num arrufo de dor, exilada para trás da generosa lombada do Triunfo do Barroco.
Estranhamente, o teu sorriso revelou-se menos conversador. A sensação que sempre retirei daquela foto era a de que bem se podia tratar de uma menina irreverente, trocista, de dentes brancos como a espuma do mar e cabelos revoltos como o seu próprio espírito. E conversavas comigo...
Mas não hoje, não desta feita.
A densidade das sensações deu lugar à frieza da uma impressão a preto e branco reduzida à pobreza da sua bidimensionalidade.
Levantei-me da cadeira, indeciso. Abri uma cerveja e passei o vidro gelado pelas frontes. Sorri. Pudesse eu arrancar do peito o meu coração e aí sim, teriamos gelo polar.
Voltei a sentar-me.
Com uma solenidade que eu próprio não compreendi, retirei uma calha, depois a outra. Separei a base do vidro e o teu retrato precipitou-se no vazio, em espiral, como uma folha tocada a vento.
Caíste-me no chão mas não no esquecimento.
Tudo no ciclo da vida tem o seu tempo e esse dia chegará, se assim tiver que ser.
Contemplei-te, a medo. Há muito que o não fazia. Mais exactamente desde que foras, num arrufo de dor, exilada para trás da generosa lombada do Triunfo do Barroco.
Estranhamente, o teu sorriso revelou-se menos conversador. A sensação que sempre retirei daquela foto era a de que bem se podia tratar de uma menina irreverente, trocista, de dentes brancos como a espuma do mar e cabelos revoltos como o seu próprio espírito. E conversavas comigo...
Mas não hoje, não desta feita.
A densidade das sensações deu lugar à frieza da uma impressão a preto e branco reduzida à pobreza da sua bidimensionalidade.
Levantei-me da cadeira, indeciso. Abri uma cerveja e passei o vidro gelado pelas frontes. Sorri. Pudesse eu arrancar do peito o meu coração e aí sim, teriamos gelo polar.
Voltei a sentar-me.
Com uma solenidade que eu próprio não compreendi, retirei uma calha, depois a outra. Separei a base do vidro e o teu retrato precipitou-se no vazio, em espiral, como uma folha tocada a vento.
Caíste-me no chão mas não no esquecimento.
Tudo no ciclo da vida tem o seu tempo e esse dia chegará, se assim tiver que ser.
08 junho 2010
Inevitabilidades
Por vezes bons, outras vezes maus, os meus pensamentos tocam-te.
Entre o deve e o haver, não sei se prevalece o bem se o mal. Sei que para mim... para mim é sempre a perder.
Escrevo, rasuro, apago e volto a escrever.
Já não sei se o faço para ti, para mim ou por mim. Como lavrou Rainer Maria Rilke todas as minhas palavras concorrem para ti e nenhuma consente que as outras lhe passem à frente.
Que importa que não me leias? Ainda bem que assim é!
Tudo quanto extravaso, tudo quanto deixo fluir é puro desperdício, um louvor à inutilidade.
Elegias constantes, estertores de ressentimento e incompreensão eivados de fel.
Palavras órfãs de culpa, pairando hesitantes entre dois corações outrora cúmplices mas hoje irremediavelmente apartados.
Estou cansado! Cansado de apontar o dedo; cansado de me desculpar; de te desculpar. Estou exausto de tanto correr em redor de algo que não vale a pena e que, porventura, sem que eu disso desconfiasse, nunca a terá valido.
A ironia maior reside em que aquilo que mais procuro é uma forma de te fazer sair impoluta de tudo isto.
Pois sabes que mais? Não o consigo fazer! A solução passará eventualmente por aí.
Amor vincit omnia não é só para quem pode... é também para quem o merece!
Sleeping satellite
Tasmin Archer
Entre o deve e o haver, não sei se prevalece o bem se o mal. Sei que para mim... para mim é sempre a perder.
Escrevo, rasuro, apago e volto a escrever.
Já não sei se o faço para ti, para mim ou por mim. Como lavrou Rainer Maria Rilke todas as minhas palavras concorrem para ti e nenhuma consente que as outras lhe passem à frente.
Que importa que não me leias? Ainda bem que assim é!
Tudo quanto extravaso, tudo quanto deixo fluir é puro desperdício, um louvor à inutilidade.
Elegias constantes, estertores de ressentimento e incompreensão eivados de fel.
Palavras órfãs de culpa, pairando hesitantes entre dois corações outrora cúmplices mas hoje irremediavelmente apartados.
Estou cansado! Cansado de apontar o dedo; cansado de me desculpar; de te desculpar. Estou exausto de tanto correr em redor de algo que não vale a pena e que, porventura, sem que eu disso desconfiasse, nunca a terá valido.
A ironia maior reside em que aquilo que mais procuro é uma forma de te fazer sair impoluta de tudo isto.
Pois sabes que mais? Não o consigo fazer! A solução passará eventualmente por aí.
Amor vincit omnia não é só para quem pode... é também para quem o merece!
Sleeping satellite
Tasmin Archer
Gastronomias, Lda.
Estou a fazer uma jardineira de lulas que nem vos digo nem vos conto...
Um copo de Versátil na bancada e a Tina Turner na tv...
What's love got to do with it... what's love but a second hand emotion... who needs a heart when a heart can be broken...
Bela pinga, este Versátil...
Um copo de Versátil na bancada e a Tina Turner na tv...
What's love got to do with it... what's love but a second hand emotion... who needs a heart when a heart can be broken...
Bela pinga, este Versátil...
Ao virar da esquina
Ontem foi noite de meditação quinzenal. É sempre uma oportunidade soberana para aliviar esta náusea constante.
Tem que deitar fora toda essa tristeza, dizem-me. Tudo a seu tempo, respondo eu tentando esconder o óbvio.
Ao chegar a casa e não tendo lugar para estacionar o carro no sítio do costume, acabei por deixá-lo nas traseiras. E lá vinha eu, contando as pedras da calçada e pontapeando a má-disposição, quando, ao virar da esquina, dei de caras com um velhote sentado no chão, cabelo desgrenhado e barba farta, ambos grisalhos.
- Sabes quem eu sou? - lançou-me de chofre por entre um sorriso rasgado mas sem dentes.
- Não! - respondi.
- Eu sou Deus!
- E eu sou Napoleão Bonaparte, muito prazer.
Franziu o sobrolho e retorquiu:
- Ó palhaço… estás a gozar-me ou quê? És muito alto para Napoleão, trazes as duas mãos nos bolsos e népias de besta cavalar.
Esquadrinhei melhor aquela figura que agora se empertigava, brandindo perigosamente uma garrafa vazia.
Deus vestia uns jeans completamente esfarrapados, uma T-shirt branca e um blusão de napa preta. À lapela dois pins: God rocks e Guns N’ Roses.
Sorri e perguntei-lhe:
- Então e o que foi que Deus fez hoje digno de registo?
- Arhhh… arrumei uns carritos e regateei umas moedas. Sempre dá p’ós cacilhos. Mas a traça não dá tréguas…
De repente, do nada, um barulho enorme de descarrilamento ferroviário. Era o dono do café a fechar as grades de segurança.
Aproveitando o ensejo ensaiei:
- Pedro… não sobrou nenhum bolito? Deus está com fome!
Enquanto o homem voltou a entrar no café dei por mim a esgrimir a ironia. Jesus repartiu o pão pelos apóstolos mas desta feita seria Pedro a dar de comer a Deus…
Sinal do tempo, resquícios de um mundo que já ninguém compreende e onde quase nada faz sentido.
Hoje à noite Deus terá a companhia de um queque e de uma bola de Berlim. Para beber terá que ir ao chafariz mas, ainda assim, God rocks.
Welcome to the jungle
Guns N' Roses
Tem que deitar fora toda essa tristeza, dizem-me. Tudo a seu tempo, respondo eu tentando esconder o óbvio.
Ao chegar a casa e não tendo lugar para estacionar o carro no sítio do costume, acabei por deixá-lo nas traseiras. E lá vinha eu, contando as pedras da calçada e pontapeando a má-disposição, quando, ao virar da esquina, dei de caras com um velhote sentado no chão, cabelo desgrenhado e barba farta, ambos grisalhos.
- Sabes quem eu sou? - lançou-me de chofre por entre um sorriso rasgado mas sem dentes.
- Não! - respondi.
- Eu sou Deus!
- E eu sou Napoleão Bonaparte, muito prazer.
Franziu o sobrolho e retorquiu:
- Ó palhaço… estás a gozar-me ou quê? És muito alto para Napoleão, trazes as duas mãos nos bolsos e népias de besta cavalar.
Esquadrinhei melhor aquela figura que agora se empertigava, brandindo perigosamente uma garrafa vazia.
Deus vestia uns jeans completamente esfarrapados, uma T-shirt branca e um blusão de napa preta. À lapela dois pins: God rocks e Guns N’ Roses.
Sorri e perguntei-lhe:
- Então e o que foi que Deus fez hoje digno de registo?
- Arhhh… arrumei uns carritos e regateei umas moedas. Sempre dá p’ós cacilhos. Mas a traça não dá tréguas…
De repente, do nada, um barulho enorme de descarrilamento ferroviário. Era o dono do café a fechar as grades de segurança.
Aproveitando o ensejo ensaiei:
- Pedro… não sobrou nenhum bolito? Deus está com fome!
Enquanto o homem voltou a entrar no café dei por mim a esgrimir a ironia. Jesus repartiu o pão pelos apóstolos mas desta feita seria Pedro a dar de comer a Deus…
Sinal do tempo, resquícios de um mundo que já ninguém compreende e onde quase nada faz sentido.
Hoje à noite Deus terá a companhia de um queque e de uma bola de Berlim. Para beber terá que ir ao chafariz mas, ainda assim, God rocks.
Welcome to the jungle
Guns N' Roses
07 junho 2010
"Um pouco mais de alma animal" ou "Comentando os vossos comentários"
Não!...
Não me envergonho de mim perante os outros. Por vezes envergonho-me de mim perante mim.
Gostava de conseguir ser menos emocional sem, para isso, precisar de ser mais racional.
Ser racional é um exercício de auto-controlo muito mais fácil do que aquilo que se imagina. Mas é uma tremenda limonada.
Eu sei que é bonito almejar ao desprendimento em relação aos sentimentos, esse caminho que, como dizia Chesterton, vai dos olhos ao coração sem passar pelo intelecto, essas ilusões que toldam a mente humana e impedem a caminhada rumo a estádios de evolução espiritual mais desenvolvidos.
Deixem-me repetir: É uma monumental seca!!!
E mais - aqui fica formalizada a minha reclamação - trata-se de uma tremenda injustiça o facto de assim ter que ser se quisermos evoluir.
Gostava de conseguir ser mais selvagem.
Louco? Um pouco. Mas eu explico melhor. Gostava de conseguir ser mais selvagem como forma de poder ser (ainda) mais inconsciente e, logo, inocente, desprendido e autónomo relativamente às emoções.
Assim me veria livre destas marés de auto-comiseração em que por vezes pairo à deriva.
Como escreveu D. H. Lawrence no seu poema "Self-Pity":
I never saw a wild thing sorry for itself.
A small bird will drop frozen from a bough
without ever having felt sorry for itself.
Não me envergonho de mim perante os outros. Por vezes envergonho-me de mim perante mim.
Gostava de conseguir ser menos emocional sem, para isso, precisar de ser mais racional.
Ser racional é um exercício de auto-controlo muito mais fácil do que aquilo que se imagina. Mas é uma tremenda limonada.
Eu sei que é bonito almejar ao desprendimento em relação aos sentimentos, esse caminho que, como dizia Chesterton, vai dos olhos ao coração sem passar pelo intelecto, essas ilusões que toldam a mente humana e impedem a caminhada rumo a estádios de evolução espiritual mais desenvolvidos.
Deixem-me repetir: É uma monumental seca!!!
E mais - aqui fica formalizada a minha reclamação - trata-se de uma tremenda injustiça o facto de assim ter que ser se quisermos evoluir.
Gostava de conseguir ser mais selvagem.
Louco? Um pouco. Mas eu explico melhor. Gostava de conseguir ser mais selvagem como forma de poder ser (ainda) mais inconsciente e, logo, inocente, desprendido e autónomo relativamente às emoções.
Assim me veria livre destas marés de auto-comiseração em que por vezes pairo à deriva.
Como escreveu D. H. Lawrence no seu poema "Self-Pity":
I never saw a wild thing sorry for itself.
A small bird will drop frozen from a bough
without ever having felt sorry for itself.
06 junho 2010
Este é para ti... compadre.
Foram quantos anos? 10? Mais? Fossem 10 semanas e teria sido demasiado tempo sem nos botarmos os olhos em cima ou sem nos falarmos.
Não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Há é que recuperar o tempo perdido e, como dizia Platão, não deixar crescer erva no caminho da amizade.
As recordações que temos para partilhar são mais importantes do que, à partida, o possamos julgar. O que é importante não é nem o que ficou para trás nem o que nos aguarda, mas sim aquilo que trazemos dentro de nós. E o que trazemos dentro de nós resultante dessas memórias? Um sentimento de irmandade elevado a uma potência apenas decifrável por quem fez vida no mar.
Lembras-te das fainas entre as cinco da tarde e as cinco da manhã? De como ainda miúdos saltámos para dentro do barco e reclamámos o nosso lugar ao remo? E por que raio haviam os Caparicanos de ser mais do que a seita de Almada?
Sabes amigo, penso muitas vezes nas famosas sandes de dez fatias de fiambre dentro de um pão de Mafra; o safa-pão que na ida carregava as latas de meio-litro de cerveja e na volta trazia o esforçado quinhão de peixe que entregávamos em casa com orgulho.
Recordo como as nossas mãos passaram de bolha a calo sem qualquer queixume ou indício de fraqueza; os temporais em que, com respeito pelo mar mas sem qualquer consideração pelas nossas vidas, saíamos irresponsavelmente para uma tormenta desfeita, sem ajuda de motores fora-de-borda, remando para além do limite do razoável e de como, na arribada, o "velho" Venceslau, arrais da Arte, passava a corda à malagueta para que um qualquer andaço de água mais traiçoeiro não virasse o saveiro meia-lua sobre nós.
Tenho dias, durante as minhas caminhadas pela praia, em que julgo ouvir o rezingão Venceslau a zurzir na companha, sobretudo quando era preciso encalhar o barco no cimo das dunas e havia uma barreira imensa de areia para vencer. No final da faina já nenhum de nós podia com uma gata pelo rabo e todos fugiam ao derradeiro esforço que era carregar em ombros aquele adamastor de madeira. Ainda tenho as marcas psicológicas das recoveiras de eucalipto cravadas nos ombros. E era então que o velho "Lau" vociferava tonitroante: Andarem cá ao barco seus langões! Se eu tivesse a vossa idade comia isto tudo à dentada.
E quando a pesca era fraca e sobravam apenas umas cavalas para o quinhão? A companha mostrava o seu ar de desagrado e o velho respondia: O que foi? Estão agoniados de tanto peixe? Amanhã damos dois lanços pelas Terras da Costa. Pode ser que se apanhe alguma vaca e assim já podem levar bifinhos do lombo para casa.
Sabes do que sinto mais saudade? Das noites de Lua Nova em que saíamos para o mar a aguardar hora para dar o lanço. Largava-se o ferro e ficávamos deitados sobre os bancos ou sobre a rede, mãos cruzadas sob a cabeça, contemplando um céu negro absolutamente pejado de estrelas. Ninguém abria a boca para dizer o que fosse. Eram horas em que homens, barco, mar e céu se fundiam num todo em que qualquer outro som que não o das vagas acariciando o casco seria conspurcar uma sagrada comunhão.
Tenho também, confesso-te, uma vaidade tremenda ao lembrar de quando, já na Faculdade, os banhistas se chegavam ao barco enquanto nos preparávamos para mais um lanço e o arrais dizia inchado para as pessoas: Estão a ver este que está aqui a aparelhar a rede? É quase Doutor mas anda aqui ao mar comigo. E mais tarde, já na Armada, quando a Bertina me disse em segredo que o Venceslau saía para o mar com uma fotografia minha, de uniforme, dentro do bolso da camisa de flanela, para ele poder dizer, no caso de lhe aparecer a Polícia Marítima, que tinha um afilhado que era Oficial de Marinha.
É assim a vida... Fomos marcados e marcámos. Aprendemos partilhas e silêncios. Crescemos...
Um grande abraço, compadre.
Não vou mais sentir saudades tuas porque não te vou perder outra vez sob a linha do horizonte.
Não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Há é que recuperar o tempo perdido e, como dizia Platão, não deixar crescer erva no caminho da amizade.
As recordações que temos para partilhar são mais importantes do que, à partida, o possamos julgar. O que é importante não é nem o que ficou para trás nem o que nos aguarda, mas sim aquilo que trazemos dentro de nós. E o que trazemos dentro de nós resultante dessas memórias? Um sentimento de irmandade elevado a uma potência apenas decifrável por quem fez vida no mar.
Lembras-te das fainas entre as cinco da tarde e as cinco da manhã? De como ainda miúdos saltámos para dentro do barco e reclamámos o nosso lugar ao remo? E por que raio haviam os Caparicanos de ser mais do que a seita de Almada?
Sabes amigo, penso muitas vezes nas famosas sandes de dez fatias de fiambre dentro de um pão de Mafra; o safa-pão que na ida carregava as latas de meio-litro de cerveja e na volta trazia o esforçado quinhão de peixe que entregávamos em casa com orgulho.
Recordo como as nossas mãos passaram de bolha a calo sem qualquer queixume ou indício de fraqueza; os temporais em que, com respeito pelo mar mas sem qualquer consideração pelas nossas vidas, saíamos irresponsavelmente para uma tormenta desfeita, sem ajuda de motores fora-de-borda, remando para além do limite do razoável e de como, na arribada, o "velho" Venceslau, arrais da Arte, passava a corda à malagueta para que um qualquer andaço de água mais traiçoeiro não virasse o saveiro meia-lua sobre nós.
Tenho dias, durante as minhas caminhadas pela praia, em que julgo ouvir o rezingão Venceslau a zurzir na companha, sobretudo quando era preciso encalhar o barco no cimo das dunas e havia uma barreira imensa de areia para vencer. No final da faina já nenhum de nós podia com uma gata pelo rabo e todos fugiam ao derradeiro esforço que era carregar em ombros aquele adamastor de madeira. Ainda tenho as marcas psicológicas das recoveiras de eucalipto cravadas nos ombros. E era então que o velho "Lau" vociferava tonitroante: Andarem cá ao barco seus langões! Se eu tivesse a vossa idade comia isto tudo à dentada.
E quando a pesca era fraca e sobravam apenas umas cavalas para o quinhão? A companha mostrava o seu ar de desagrado e o velho respondia: O que foi? Estão agoniados de tanto peixe? Amanhã damos dois lanços pelas Terras da Costa. Pode ser que se apanhe alguma vaca e assim já podem levar bifinhos do lombo para casa.
Sabes do que sinto mais saudade? Das noites de Lua Nova em que saíamos para o mar a aguardar hora para dar o lanço. Largava-se o ferro e ficávamos deitados sobre os bancos ou sobre a rede, mãos cruzadas sob a cabeça, contemplando um céu negro absolutamente pejado de estrelas. Ninguém abria a boca para dizer o que fosse. Eram horas em que homens, barco, mar e céu se fundiam num todo em que qualquer outro som que não o das vagas acariciando o casco seria conspurcar uma sagrada comunhão.
Tenho também, confesso-te, uma vaidade tremenda ao lembrar de quando, já na Faculdade, os banhistas se chegavam ao barco enquanto nos preparávamos para mais um lanço e o arrais dizia inchado para as pessoas: Estão a ver este que está aqui a aparelhar a rede? É quase Doutor mas anda aqui ao mar comigo. E mais tarde, já na Armada, quando a Bertina me disse em segredo que o Venceslau saía para o mar com uma fotografia minha, de uniforme, dentro do bolso da camisa de flanela, para ele poder dizer, no caso de lhe aparecer a Polícia Marítima, que tinha um afilhado que era Oficial de Marinha.
É assim a vida... Fomos marcados e marcámos. Aprendemos partilhas e silêncios. Crescemos...
Um grande abraço, compadre.
Não vou mais sentir saudades tuas porque não te vou perder outra vez sob a linha do horizonte.
04 junho 2010
03 junho 2010
Desabafo
Por vezes venho ao blog e ponho-me a reler os posts.
Dou por mim a pensar: mas que merda de lamechice!!!
Dá-me vontade de não voltar cá mais.
Dou por mim a pensar: mas que merda de lamechice!!!
Dá-me vontade de não voltar cá mais.
A uma criança que dança ao vento
Dança aí, junto ao mar;
Que te importa o rugido da água, o rugido do vento?
Sacode a tua cabeleira
Que as gotas de sal molharam;
Sendo tão jovem ignoras
O triunfo do néscio, nem sabes
Que o amor mal se ganha e logo se perde,
Nem viste morrer o melhor operário
E todos os feixes por atar.
Por que hás tu de temer
O choro monstruoso do vento?
To a child dancing in the wind
W. B. Yeats
Que te importa o rugido da água, o rugido do vento?
Sacode a tua cabeleira
Que as gotas de sal molharam;
Sendo tão jovem ignoras
O triunfo do néscio, nem sabes
Que o amor mal se ganha e logo se perde,
Nem viste morrer o melhor operário
E todos os feixes por atar.
Por que hás tu de temer
O choro monstruoso do vento?
To a child dancing in the wind
W. B. Yeats
02 junho 2010
Se eu pudesse...
Queria ser o sangue que te corre nas veias e fluir por ti alegremente.
Queria ser o ar que respiras e preencher-te a cada inspiração.
Pudesse eu ser o vento e sussurar-te-ia aos ouvidos, uma e outra vez, nunca sem ti.
Se eu pudesse, apenas, poder...
Change the world
Eric Clapton
Queria ser o ar que respiras e preencher-te a cada inspiração.
Pudesse eu ser o vento e sussurar-te-ia aos ouvidos, uma e outra vez, nunca sem ti.
Se eu pudesse, apenas, poder...
Change the world
Eric Clapton
Cinco minutos
Deitaram-se nas espreguiçadeiras.
Descanso...
No ar o aroma dominante da akadama húmida dos bonsais acabados de regar.
Gotas de água resultantes de um zelo excessivo precipitavam-se inapelavelmente no vazio, esmagando-se na tijoleira encarnada e ecoando na noite escura.
Lua nova... estrelas velhas. Companheiras universais... mas não eternas.
A possibilidade de cada um destes pequenos pontos se poder extinguir a qualquer momento lembrou os amantes da perenidade dos afectos. A lembrança de que existem coisas na vida que, pura e simplesmente, não estão destinadas a ser como ambos quereriam que fossem. A eternidade dos sentimentos que se quer mas se receia. Essa quimera feita khímaira, monstro lendário.
O amor, sabem-no bem, é entre dois seres a sua pequena Shambhala. Mas precisamente porque assim é, a visão que cada um deles tem desse paraíso feito seu estará sempre limitada pela sua própria condição espiritual. Esse bem comum, património partilhado, assenta em fundações porventura diferentes.
Talvez por isso a incógnita. Talvez daí a dúvida.
Espirais de fumo exaladas depois de mais uma passa no cigarro pairaram no ar, dançando, provocantes, voluptuosas.
As estrelas perderam-se momentaneamente por detrás de uma nuvem de algodão feito cinzento pela noite.
Mais uma espiral de fumo... mais uma espiral de incertezas.
Por que razão terá tudo que ser tão negociado? Se não há coincidências, se tudo acontece porque assim tem que o ser, será necessário investir tanto para tanto voltar a perder, uma e outra vez. O que se aprende? A sofrer?
Olharam-se de forma cúmplice e duas mãos encontraram-se no vazio. Entrelaçaram os dedos e os seus olhos disseram, a um tempo, Amo-te! Até quando, não o sei. Mas neste lugar, neste instante... Amo-te!
Why
Annie Lennox
Descanso...
No ar o aroma dominante da akadama húmida dos bonsais acabados de regar.
Gotas de água resultantes de um zelo excessivo precipitavam-se inapelavelmente no vazio, esmagando-se na tijoleira encarnada e ecoando na noite escura.
Lua nova... estrelas velhas. Companheiras universais... mas não eternas.
A possibilidade de cada um destes pequenos pontos se poder extinguir a qualquer momento lembrou os amantes da perenidade dos afectos. A lembrança de que existem coisas na vida que, pura e simplesmente, não estão destinadas a ser como ambos quereriam que fossem. A eternidade dos sentimentos que se quer mas se receia. Essa quimera feita khímaira, monstro lendário.
O amor, sabem-no bem, é entre dois seres a sua pequena Shambhala. Mas precisamente porque assim é, a visão que cada um deles tem desse paraíso feito seu estará sempre limitada pela sua própria condição espiritual. Esse bem comum, património partilhado, assenta em fundações porventura diferentes.
Talvez por isso a incógnita. Talvez daí a dúvida.
Espirais de fumo exaladas depois de mais uma passa no cigarro pairaram no ar, dançando, provocantes, voluptuosas.
As estrelas perderam-se momentaneamente por detrás de uma nuvem de algodão feito cinzento pela noite.
Mais uma espiral de fumo... mais uma espiral de incertezas.
Por que razão terá tudo que ser tão negociado? Se não há coincidências, se tudo acontece porque assim tem que o ser, será necessário investir tanto para tanto voltar a perder, uma e outra vez. O que se aprende? A sofrer?
Olharam-se de forma cúmplice e duas mãos encontraram-se no vazio. Entrelaçaram os dedos e os seus olhos disseram, a um tempo, Amo-te! Até quando, não o sei. Mas neste lugar, neste instante... Amo-te!
Why
Annie Lennox
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