12 outubro 2005

A Alegoria da Caverna

O assunto que me traz hoje à ilustre companhia dos meus leitores (que é o mesmo que dizer que se trata de um solilóquio, ou seja, que estou a falar sozinho), não é mais do que um pequeno problema. Não obstante, pequeno quanto baste para me tirar o sono.

É aquilo a que, no domínio da metáfora, se apelidaria de “problema melga”. Melga porque insignificantemente acutilante. Melga porque se expressa numa frequência que impede o sono e a paz de espírito.

Jurei a mim mesmo, com as devidas vénia e antecedência, que não queimaria um neurónio que fosse com as situações anedóticas em redor e dentro das candidaturas de Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Isaltino Morais e Avelino Ferreira Torres.

Acontece que antes, durante e depois do acto eleitoral, os Media (Meios de Comunicação Social – em Português; Pasquins – em Madeirense) dedicaram horas de imagem e som, litros de tinta e carradas de ondas hertzianas, a estes verdadeiros portentos do cenário zoófilo.

Adiantaram-se as mais variadas e díspares teorias sobre este fenómeno. Chamaram-se a opinar políticos, psicólogos, sociólogos e até o merceeiro e o açougue. O ruído foi tanto que só colateralmente se percebia que se estava a (tentar) falar de eleições autárquicas.

Contudo, e apesar do esforço mental evidenciado pelos intervenientes, nenhuma das soluções apresentadas me pareceu coerente.

Parece-me a mim que a pedra de toque da questão tem muito mais a ver com um detalhe simples… uma pequena insignificância perdida no mar imenso das explicações pseudo-científicas.

Diria mesmo que as análises efectuadas por tão ilustres académicos – merceeiro e açougue incluídos - padeceram de adiantado grau de astigmatismo. Isto é, toda a gente demonstrou ver bem ao longe mas revelou grande cegueira relativamente ao que estava mesmo debaixo do nariz.

“Debaixo do nariz”… expressão feliz. Que mais não fosse porque o assunto cheira mal… muito mal.

Mas adiante!

Tenho para mim que este peculiar relacionamento entre os supra citados titãs da hipocrisia e os seus respectivos eleitorados, se explica um pouco à luz da teoria platónica das ideias (quem é que na escola não levou com a “Alegoria da Caverna”?).

À luz da dicotomia entre Mundo Inteligível (o das ideias; das essências; dos arquétipos) e Mundo Sensível (o das coisas; das aparências; e das cópias), dir-se-ia que os eleitorados em causa pertencem, decididamente, ao segundo destes dois mundos.

Existe uma particularidade genuinamente portuga que é a seguinte: do mesmo modo que, na presença de um condenado, a malta inflaciona automaticamente o castigo – “Bandido… mata… esfola… se fosse minha filha cortava-tos rentes!”; ou “Ladrão… gatuno, pilha-galinhas desgraçado, ministro das finanças…”; etc e tal – assim aproveitando para en passant expiar os seus próprios pecados, o fenómeno inverso também é verdade.

A rapaziada, quer queiramos quer não, é invejosa. Sim… INVEJOSA!

Neste caso específico, para ser mais concreto, o povo tem inveja da IMPUNIDADE destes (assim tornados) ídolos, neles revendo os seus desejos mais secretos: ser famoso, gamar sem ser apanhado ou ser apanhado mas sair incólume, manipular árbitros, construir casa própria com pessoal e material da Câmara, mover influências, ter um lote de terreno em Cabo Verde com vista para o mar, ter conta bancária na Suiça, etc.

Mais... não lhes bastando este requisito de filiação, ainda se lhes subjugam.

São o suserano e seus vassalos; é o menino rico que, embora tosco, joga futebol lá na rua - mas apenas porque a bola é sua – e o resto dos putos que não têm outro remédio.

E a plebe ao eleger, ganha para si o direito de dizer, ainda que apenas de si para si, “Eu também sou assim e um bocadinho da bola é meu!”… “Sou o maior! Ninguém me toca!”, ou ainda, “Campeõõõõõõõões, Campeõõõõõõõões, nós somos Campeõõõõõõõões!”

Uma das personagens desta Tragédia feita Comédia, distraiu-se momentaneamente e quis ir jogar à bola para a rua de baixo. O que é que lhe aconteceu? Acabou por ficar a jogar ao pau com os ursos!

É assim ou não é?

Vá lá confessem… não há perigo… ninguém está ver.

Afinal de contas, como se disse de início, eu estou só aqui a falar sozinho.

1 comentário:

Unknown disse...

E não é o que todos fazemos após alguns dias do inicio do mês? Recebemos o ordenado e ficamos logo a falar sozinhos!...:-)
Quanto ao resto, já nem merece comentários, só temos o que merecemos!

 

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