27 outubro 2005

Recado do galinheiro

Cá o pinto já começa a ficar saturado de tanto sufoco no galinheiro.

O maricas do galo, só porque tem nome de filósofo, julga que isto é tudo dele.

Isto só pode ser dessa gripe que por aí anda. Subiram-lhe temperaturas excessivas à crista e vá de asneirar. Ele é subidas do imposto sobre o milho, é aumentos 0% na ração mensal, é unificação dos sistemas de saúde galinácea, é aumento da idade de reforma...

Isto não pode continuar!

Os galos mais idosos andam desvairados com a ideia de ainda ter que cobrir numa idade em que, dizem, "deviam era já estar a descansar as penas e a dar piropos às frangas".

As galinhas, coitadas, dizem que, quando chegarem à nova idade de reforma, os ovos já saem escalfados. Ao que consta, as bichas estão pela ponta das penas. Fala-se mesmo em agudizar as formas de luta. Já estou mesmo a ver as velhas palavras de ordem: "Não à exploração sexual das galinhas. Quem quiser ovos... que os ponha!"

O galo soube da conjura e já ameaçou com requisição civil. No entrementes, vai-se entretendo a dar aos amigos os melhores poleiros cá do galinheiro. Ainda no outro dia entregou a presidência do tribunal galinheiral, a um outro có-có da pandilha.

Nós os pintos bem piamos, mas parece não servir de nada.

A sangria é tão grande que anteontem tentaram penhorar o bico a um papagaio que o galinheiro adoptou. O pobre do bicho passou o dia a rogar pragas que tinha aprendido no tempo do Ultramar, dizendo que esta família de acolhimento era uma valente merda e que, se continuassem a apertar com ele, ía ao pombal pedir asilo político.

Enfim!... É uma miséria pegada o que por aqui vai.

De tão depenados que vamos ficando, um destes dias passamos a ter preferência no negócio do churrasco. Está-se mesmo a ver: "Comprem no Frango-vai-nú. Não precisa depenar, já vai pronto a assar".

Em desespero de causa, nós os pintos mais "crista no ar", andamos a preparar um concerto de música de intervenção. Pedimos uma letra emprestada ao Sérgio Godinho e já temos tudo bem ensaiado.

Hoje à noite o maricas do galo não vai pregar olho.

Cá vai a marcha!

O galo é o dono da casa
a galinha, da cozinha
ou se porta direitinha
ou apanha com a asa
que o galo é o dono da casa

O galo canta de galo
a galinha, cacareja
e o pintainho deseja
o fim de tanto badalo
e o galo canta de galo

O galo come faisão
a galinha é quem o assa
e o pobre do pinto passa
passa uma fome de cão
e o galo come faisão

O galo é o dono dos ovos
a galinha é quem os bota
e o pinto é compatriota
da miséria de outros povos
que o galo é o dono dos ovos

Por mais que cante de galo
o galo está a dar o berro
é que nem com mão de ferro
faz do pinto seu vassalo
por mais que cante de galo

Anda amarelado o galo
como a gema que o pariu
o sol nunca lhe sorriu
quanto ao pinto, é um regalo
não há sol que não o tisne
o galo canta de galo
para o pinto é o canto do cisne

Có-có-ró-có-có
Có-có-ró-có-ró-có-có
Có-có-ró-có-ró-có-có
Có-có-ró-có-có

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