24 dezembro 2011
21 dezembro 2011
Sacrilégio
É ou não um sacrilégio estar fechado em casa a trabalhar, abrir a janela, deixar entrar uma brisa de mar e sentirmo-nos obrigados a ficar entre quatro paredes, porque o tempo é curto e os compromissos académicos não se compadecem com estes apelos da água?
Estava melhor na ponta de um esporão da Costa.
São estas pequenas coisas que trazem à liça a cegueira de uma vida passada inconscientemente às voltas. Como um dia disse o "nosso" Variações, "só estou bem, aonde não estou"...
Triste esta (pelo menos minha) condição de permanente insatisfação. Não se explica. Ou, melhor dizendo (ou escrevendo): não consigo explicar.
A vida será assim mesmo. Nada de percursos lineares. O nosso percurso é esta espiral que transmite a sensação errónea de avanços e recuos quando, de facto, se trata apenas de um progresso feito de aprendizagem e forçosa revisão da matéria dada.
- Mas olha que o tempo voa...
- Também o meu espírito. Muito mais rápido e muito mais alto do que a própria vida.
- Mas como ele anda! E para onde voa o teu espírito?
- Nem eu próprio lhe adivinho o destino. Não lhe conheço sequer o propósito.
-Deixa-o ir livre e sem destino que ele saberá onde pousar.
Eu sei que sim!
Não sei o "como" e só muito vagamente percebo os mistérios que me assistem.
A vida é uma puta!
Há putas que se vendem por vender, pelo aparente benefício do acto.
Outras há que se vendem para poder satisfazer necessidades outras: subsistência, providência, vícios...
E assim somos nós, transigindo por vezes as nossas mais profundas convicções em função de um "assim tem que ser" que se nos atravessa no caminho.
Avançamos no caminho. Retrocedemos na condição.
Muito invejo essas fortalezas de carácter, baluartes de existência, seres humanos extraordinários que não vacilam, independentemente das expectáveis consequências.
O privilégio de conhecer três homens assim é incomensurável. O meu tio João Henrique e o Comandante Martins e Silva (Marinha de Guerra), ainda vivos, e outro tio meu, Carlos Pereira dos Santos, infelizmente já falecido.
O seu conhecimento não me fez como eles. Não chego a tanto. Não o consigo.
Mas quando chega a hora de ter pontos de referência, quando se trata de tentar fazer justiça a referências que tenhamos na vida, eles estão sempre lá, para me orientar ou para para me confrontarem com a vergonha de uma qualquer decisão que lhes não faça justiça.
É! Esta vida é assim mesmo: uma carpete de veludo carmim que percorremos como estrelas de cinema mal vestidas.
Era bom que pudéssemos tratar a nossa consciência como apenas um sonho mau. Acordar e fazer "reset"...
Que bom que seria...
Que merda, este passado que nos atormenta. É aprendizado. Certo! Mas que me importa a mim, consciente que estou de que nem precisava de saber mais para ter aprendido de outra forma?
Resignação? Não me é fácil!
Destino? É como reza o fado: o destino só destina quem já nasce conformado.
Por vezes apetece-me partir em direcção ao pôr-do-sol e com ele desaparecer.
Depois lembro-me dos meus dois preciosos filhos.
Não é apenas em mim que devo pensar...
Isso sim: seria um sacrilégio.
19 dezembro 2011
Dias de Berlim
Final de tarde num dos terraços do ISCTE.
A luz que se esvai quase sem disso darmos conta; a brisa invernal que surge repentinamente; os aviões a voar baixo em aproximação ao seu destino; o frio, que sem contemplações nos sobe pelas pernas... tudo a lembrar os dias de uma certa "pandilha da museologia" em Berlim.
Berlim, a ilha dos museus, metrópole indescritível.
Não é falta de vontade. É o reconhecimento da minha incapacidade para o fazer. Já no decurso da nossa estadia, ao consultar alguns dos diferentes guias que entre nós levávamos, achei que, na esmagadora maioria dos casos, não havia texto que, por mais eloquente, colorido e desenhado para turista, fizesse jus à cidade.
Berlim é uma deliciosa salada arquitectónica, uma colmeia de gente diversa que nos transmite diferentes sensações, um misto de ambientes que nos traz, aqui e ali, em diferentes tempos da história.
Berlim é esse paradoxo: o dos museus que pretendem juntar diferentes tempos num só lugar, e o de uma cidade que encerra diferentes identidades espaciais num único momento temporal.
Os dias foram preenchidos por museus até à exaustão das nossas pernas que, a princípio, haviam jurado ser capazes de suportar tamanha maratona. Mentirosas!
Impelidos por aquela voracidade de conhecimento própria de quem gosta verdadeiramente de uma determinada coisa, pulverizámo-nos por Berlim em função das preferências temáticas de cada um, juntando-nos para visitar conjuntamente aquilo de que gostávamos em comum.
Se os dias foram maravilhosos, as noites não lhes ficaram a dever rigorosamente nada.
Incursões à gastronomia tradicional alemã, antecedidas pela abertura das hostilidades na primeira cervejaria onde nos cheirasse a Weißbier (cerveja de trigo). Notem que o "tuga" é capaz de desenvolver um faro de perdigueiro num muito curto espaço de tempo.
Os finais de dia com incursões ao bas-fond berlinense, foram experiências a raiar a alucinação.
Jornada de imensa aprendizagem (tirei cerca de mil e setecentas fotos), de exercício de uma amizade sentida que, felizmente, perdura ainda entre alguns de nós.
Como lembranças maiores ficam:
- Uma noitada passada na rua com -13 graus, na companhia da Estela, porque, descobrimos tarde demais, o bloco de apartamentos onde estávamos alojados não tinha painel de campainhas e os colegas tinham os telemóveis desligados;
- Uma visita ao Reichstag, (parlamento alemão), depois de nos termos abastecido no supermercado. Foi um festival de gargalhada geral ao passar na segurança, com os enlatados e as litradas de cerveja a desfilar nos monitores da polícia como top models em Paris.
Assim foram os dias de Berlim.
Hoje, levanto os olhos do caderno e é já noite em Lisboa.
A luz que se esvai quase sem disso darmos conta; a brisa invernal que surge repentinamente; os aviões a voar baixo em aproximação ao seu destino; o frio, que sem contemplações nos sobe pelas pernas... tudo a lembrar os dias de uma certa "pandilha da museologia" em Berlim.
Berlim, a ilha dos museus, metrópole indescritível.
Não é falta de vontade. É o reconhecimento da minha incapacidade para o fazer. Já no decurso da nossa estadia, ao consultar alguns dos diferentes guias que entre nós levávamos, achei que, na esmagadora maioria dos casos, não havia texto que, por mais eloquente, colorido e desenhado para turista, fizesse jus à cidade.
Berlim é uma deliciosa salada arquitectónica, uma colmeia de gente diversa que nos transmite diferentes sensações, um misto de ambientes que nos traz, aqui e ali, em diferentes tempos da história.
Berlim é esse paradoxo: o dos museus que pretendem juntar diferentes tempos num só lugar, e o de uma cidade que encerra diferentes identidades espaciais num único momento temporal.
Os dias foram preenchidos por museus até à exaustão das nossas pernas que, a princípio, haviam jurado ser capazes de suportar tamanha maratona. Mentirosas!
Impelidos por aquela voracidade de conhecimento própria de quem gosta verdadeiramente de uma determinada coisa, pulverizámo-nos por Berlim em função das preferências temáticas de cada um, juntando-nos para visitar conjuntamente aquilo de que gostávamos em comum.
Se os dias foram maravilhosos, as noites não lhes ficaram a dever rigorosamente nada.
Incursões à gastronomia tradicional alemã, antecedidas pela abertura das hostilidades na primeira cervejaria onde nos cheirasse a Weißbier (cerveja de trigo). Notem que o "tuga" é capaz de desenvolver um faro de perdigueiro num muito curto espaço de tempo.
Os finais de dia com incursões ao bas-fond berlinense, foram experiências a raiar a alucinação.
Jornada de imensa aprendizagem (tirei cerca de mil e setecentas fotos), de exercício de uma amizade sentida que, felizmente, perdura ainda entre alguns de nós.
Como lembranças maiores ficam:
- Uma noitada passada na rua com -13 graus, na companhia da Estela, porque, descobrimos tarde demais, o bloco de apartamentos onde estávamos alojados não tinha painel de campainhas e os colegas tinham os telemóveis desligados;
- Uma visita ao Reichstag, (parlamento alemão), depois de nos termos abastecido no supermercado. Foi um festival de gargalhada geral ao passar na segurança, com os enlatados e as litradas de cerveja a desfilar nos monitores da polícia como top models em Paris.
Assim foram os dias de Berlim.
Hoje, levanto os olhos do caderno e é já noite em Lisboa.
17 dezembro 2011
12 dezembro 2011
Uma contínua Primavera
...no outro lado do sonho,
o volume do teu peito, perfeito;
o consolo da tua presença, intensa.
Arrival of the birds
The Cinematic Orchestra
o volume do teu peito, perfeito;
o consolo da tua presença, intensa.
Arrival of the birds
The Cinematic Orchestra
15 novembro 2011
Mais alto.
Carruagens quase desertas. Não é de espantar. É hora de almoço.
Desci para o andar de baixo, procurei uma cadeira virada de frente para o sentido de marcha. De costas para o que está pela frente, só aos remos de um barco.
Sentei-me.
Os phones em riste nas orelhas.
Lá tentei acomodar as duas malas que levava comigo. Computador numa; caderno, agenda e livros, noutra. Aquilo a que a minha avó chamava uma "mula de carga".
Alheado que ia, só um pouco depois da composição arrancar reparei numa senhora, sentada do outro lado do corredor, que, ao telefone, suplicava qualquer coisa que não consegui perceber, chorando desalmadamente.
Que pena! - pensei.
Decidi não olhar para o lado fazendo de conta que nada se passava.
Não há coincidências!
Se aquela mulher e eu estávamos ali, no mesmo sítio, à mesma hora (e lembrando a máxima: Só está quem tem que estar; onde tem que estar; e quando tem que estar), decidi dirigir-me à sua egrégora espiritual pedindo autorização para o que a seguir fiz: rosa e branco de um cardíaco para outro, violeta envolvendo todos os seus corpos.
E pedi-lhe:
- Minha irmã: deixa fluir em ti e através de ti a energia do universo, o sopro de Deus, pois que ambos mais não são do que expressões diversas de uma única e mesma coisa.
E assim foi, da ponte 25 de Abril até Sete Rios.
Parou de chorar? Parou!
Saiu mais calma? Saiu!
Foi consequência da projecção de energia? Não sei!
Sei que o propósito foi bom. Sei que me fez/faz muito sentido o acto de fazer bem, sem olhar a quem.
Diz-se que a modéstia manda guardar para nós as nossas boas acções. Discordo em absoluto. E por várias razões. As nossas ditas "boas acções" deviam ser entendidas, não como tal, mas como obrigações. Compete-nos a todos, cientes que possamos estar da nossa condição, tentar, sempre que possível, auxiliar a evolução de todos aqueles com quem nos cruzamos. Se estão, ou não, em condições de ser ajudados ou de, sequer, o merecer, já é algo que nos transcende.
Teremos feito o que pudermos.
E quanto ao guardar para nós o que de bom fazemos... Há que apregoá-lo aos quatro ventos. Levemos connosco tantos quantos pudermos neste caminho do bem fazer, do bem gostar.
É este o caminho que nos permitirá subir, um dia de cada vez, um degrau de cada vez, até onde onde os cegos vêem e as ruas são douradas...
Can you take me higher?
To a place where blind men see.
Can you take me higher?
To a place with golden streets.
Higher
Creed
Desci para o andar de baixo, procurei uma cadeira virada de frente para o sentido de marcha. De costas para o que está pela frente, só aos remos de um barco.
Sentei-me.
Os phones em riste nas orelhas.
Lá tentei acomodar as duas malas que levava comigo. Computador numa; caderno, agenda e livros, noutra. Aquilo a que a minha avó chamava uma "mula de carga".
Alheado que ia, só um pouco depois da composição arrancar reparei numa senhora, sentada do outro lado do corredor, que, ao telefone, suplicava qualquer coisa que não consegui perceber, chorando desalmadamente.
Que pena! - pensei.
Decidi não olhar para o lado fazendo de conta que nada se passava.
Não há coincidências!
Se aquela mulher e eu estávamos ali, no mesmo sítio, à mesma hora (e lembrando a máxima: Só está quem tem que estar; onde tem que estar; e quando tem que estar), decidi dirigir-me à sua egrégora espiritual pedindo autorização para o que a seguir fiz: rosa e branco de um cardíaco para outro, violeta envolvendo todos os seus corpos.
E pedi-lhe:
- Minha irmã: deixa fluir em ti e através de ti a energia do universo, o sopro de Deus, pois que ambos mais não são do que expressões diversas de uma única e mesma coisa.
E assim foi, da ponte 25 de Abril até Sete Rios.
Parou de chorar? Parou!
Saiu mais calma? Saiu!
Foi consequência da projecção de energia? Não sei!
Sei que o propósito foi bom. Sei que me fez/faz muito sentido o acto de fazer bem, sem olhar a quem.
Diz-se que a modéstia manda guardar para nós as nossas boas acções. Discordo em absoluto. E por várias razões. As nossas ditas "boas acções" deviam ser entendidas, não como tal, mas como obrigações. Compete-nos a todos, cientes que possamos estar da nossa condição, tentar, sempre que possível, auxiliar a evolução de todos aqueles com quem nos cruzamos. Se estão, ou não, em condições de ser ajudados ou de, sequer, o merecer, já é algo que nos transcende.
Teremos feito o que pudermos.
E quanto ao guardar para nós o que de bom fazemos... Há que apregoá-lo aos quatro ventos. Levemos connosco tantos quantos pudermos neste caminho do bem fazer, do bem gostar.
É este o caminho que nos permitirá subir, um dia de cada vez, um degrau de cada vez, até onde onde os cegos vêem e as ruas são douradas...
Can you take me higher?
To a place where blind men see.
Can you take me higher?
To a place with golden streets.
Higher
Creed
27 outubro 2011
Partículas
Para as minhas partículas M&R.
Hoje é noite de pensar muito em vós, de contar muito convosco.
Hoje é noite de alienação.
Hoje é uma daquelas noites em que se antecipam maus sonhos (que não pesadelos).
O vento sopra lá fora. As vidraças vibram sob o fulgor dos elementos. É a mãe natureza a exibir com vaidade os seus atributos, como moça nova de mãos na cintura e peito empinado.
Por vezes sinto-me tão cansado.
Mas o que tem de mal o cansaço? Nada, não trouxesse com ele esse estado de resignação que me esmaga o peito.
Há alturas em que esta estúpida sensação de inércia, de impotência, me projecta numa espiral descendente que, de tão cruel, se apresenta sem fim.
Pudesse eu conhecer-lhe um final, vê-lo aproximar e, para meu gáudio e descanso, estatelar-me definitivamente.
Almejado descanso... porque não chegas?
A bad dream
Keane
Hoje é noite de pensar muito em vós, de contar muito convosco.
Hoje é noite de alienação.
Hoje é uma daquelas noites em que se antecipam maus sonhos (que não pesadelos).
O vento sopra lá fora. As vidraças vibram sob o fulgor dos elementos. É a mãe natureza a exibir com vaidade os seus atributos, como moça nova de mãos na cintura e peito empinado.
Por vezes sinto-me tão cansado.
Mas o que tem de mal o cansaço? Nada, não trouxesse com ele esse estado de resignação que me esmaga o peito.
Há alturas em que esta estúpida sensação de inércia, de impotência, me projecta numa espiral descendente que, de tão cruel, se apresenta sem fim.
Pudesse eu conhecer-lhe um final, vê-lo aproximar e, para meu gáudio e descanso, estatelar-me definitivamente.
Almejado descanso... porque não chegas?
A bad dream
Keane
19 outubro 2011
Fim de tarde a metro.
"Tá caro... os berlindes".
"Tá caro... os berlindes"?
Foi o que lhe pareceu ler enquanto se tentava suster dentro da composição do Metro, a alta velocidade.
Nova estação, nova paragem.
Novo arranque, aos soluços para arrumar a carga.
Novo letreiro luminoso:
- "Take care of your berlindes".
Desta vez tinha a certeza. E pensou:
- Mas que falta de originalidade.
Lembrou a sua avó (Santa Senhora):
- "Quando andares à pancada, toma cuidado com os berlindes" - dizia ela com ternura, enquanto lhe compunha a gola do casaco antes da ida para a escola primária.
Nova estação, nova paragem.
Novo arranque, novo letreiro:
- "Take care of your belongings".
Porra!
Não andando longe do mesmo significado, o facto é que a vista lhe falhara uma vez mais.
Nisto, a composição entrou a alta velocidade numa curva apertada, os carris chiando em protesto, não se sabe se contra o atrito se contra a troika, e toda a expressão take care of your belongings ganhou um novo significado.
Uma preta, vindo desamparada de estibordo, tentando desesperadamente agarrar o vácuo, assentou-lhe uma monumental castanhada de anca, fazendo-o desejar ter podido deixar as jóias de família dentro da gaveta da mesinha de cabeceira.
Perante um repetido "esculpa, esculpa!", anuiu com a cabeça, mirando o enorme chambão que lhe infligira o dano.
- "Chiça! Que montanha de carne" - observou, enquanto se recompunha física e mentalmente.
Nova curva. À cautela cruzou ligeiramente o joelho direito sobre o joelho esquerdo. Achando o trejeito um pouco efeminado, voltou à posição de "firme, sentido" que aprendera na recruta.
Mirou de soslaio a planta da linha amarela.
- "Já só faltam três estações" - pensou, enquanto tentava parar o movimento e congelar no espaço os azulejos que contam todos os dias histórias, quiçá novas, dos Descobrimentos, da nossa Cultura, do nosso jeito de ser português.
Que saudades de andar de Metro.
Que saudades da cruz...
Xácara das Bruxas Dançando
Trovante
"Tá caro... os berlindes"?
Foi o que lhe pareceu ler enquanto se tentava suster dentro da composição do Metro, a alta velocidade.
Nova estação, nova paragem.
Novo arranque, aos soluços para arrumar a carga.
Novo letreiro luminoso:
- "Take care of your berlindes".
Desta vez tinha a certeza. E pensou:
- Mas que falta de originalidade.
Lembrou a sua avó (Santa Senhora):
- "Quando andares à pancada, toma cuidado com os berlindes" - dizia ela com ternura, enquanto lhe compunha a gola do casaco antes da ida para a escola primária.
Nova estação, nova paragem.
Novo arranque, novo letreiro:
- "Take care of your belongings".
Porra!
Não andando longe do mesmo significado, o facto é que a vista lhe falhara uma vez mais.
Nisto, a composição entrou a alta velocidade numa curva apertada, os carris chiando em protesto, não se sabe se contra o atrito se contra a troika, e toda a expressão take care of your belongings ganhou um novo significado.
Uma preta, vindo desamparada de estibordo, tentando desesperadamente agarrar o vácuo, assentou-lhe uma monumental castanhada de anca, fazendo-o desejar ter podido deixar as jóias de família dentro da gaveta da mesinha de cabeceira.
Perante um repetido "esculpa, esculpa!", anuiu com a cabeça, mirando o enorme chambão que lhe infligira o dano.
- "Chiça! Que montanha de carne" - observou, enquanto se recompunha física e mentalmente.
Nova curva. À cautela cruzou ligeiramente o joelho direito sobre o joelho esquerdo. Achando o trejeito um pouco efeminado, voltou à posição de "firme, sentido" que aprendera na recruta.
Mirou de soslaio a planta da linha amarela.
- "Já só faltam três estações" - pensou, enquanto tentava parar o movimento e congelar no espaço os azulejos que contam todos os dias histórias, quiçá novas, dos Descobrimentos, da nossa Cultura, do nosso jeito de ser português.
Que saudades de andar de Metro.
Que saudades da cruz...
Xácara das Bruxas Dançando
Trovante
06 outubro 2011
16 setembro 2011
07 setembro 2011
23 agosto 2011
Hoje não durmo em casa
Estar e não estar.
Estar mas não estar.
A televisão passa imagens de Budapeste, do Rio de Janeiro, de Roma... Ocorre-me o estrangeirismo been there, done that!
Com a idade, as viagens que idealizamos fazer, os locais que gostaríamos de visitar e, quiçá, neles ficar, sofrem uma inversão de prioridades.
O que me interessa a imponência da monumentalidade arquitectónica, o exotismo de águas verde esmeralda ou o branco imaculado da mais pura das neves? Quem me dera encontrar um local repleto de paz, amor e um sorriso de felicidade permanente nos lábios de cada pessoa.
Essa sim, seria a viagem da minha vida. Sem aviões, combóios, mochilas, passaportes. Podia muito bem ser já aqui ao lado, num vilarejo qualquer, num qualquer bairro.
Esta noite não durmo em casa. Vou dormir ao bairro do amor.
Bairro do amor
Jorge Palma
Estar mas não estar.
A televisão passa imagens de Budapeste, do Rio de Janeiro, de Roma... Ocorre-me o estrangeirismo been there, done that!
Com a idade, as viagens que idealizamos fazer, os locais que gostaríamos de visitar e, quiçá, neles ficar, sofrem uma inversão de prioridades.
O que me interessa a imponência da monumentalidade arquitectónica, o exotismo de águas verde esmeralda ou o branco imaculado da mais pura das neves? Quem me dera encontrar um local repleto de paz, amor e um sorriso de felicidade permanente nos lábios de cada pessoa.
Essa sim, seria a viagem da minha vida. Sem aviões, combóios, mochilas, passaportes. Podia muito bem ser já aqui ao lado, num vilarejo qualquer, num qualquer bairro.
Esta noite não durmo em casa. Vou dormir ao bairro do amor.
Bairro do amor
Jorge Palma
16 agosto 2011
12 agosto 2011
João Pestana
3 coroas de hortelã + 1 lima em gomos + 2 colheres de chá de açucar mascavado + 1 dedo de rum + 20 pedras de gelo + água tónica q.b. = 1 mojito.
São servidos?
Nada melhor do que um destes para dar as boas-vindas ao João Pestana e enxotar os papões.
Nighty night!
Night of the hunter
(La nuit du chasseur)
30 Seconds to Mars
São servidos?
Nada melhor do que um destes para dar as boas-vindas ao João Pestana e enxotar os papões.
Nighty night!
Night of the hunter
(La nuit du chasseur)
30 Seconds to Mars
11 agosto 2011
29 julho 2011
Ensaio para um almoço
Em tão admiráveis tempos como estes em que temos o privilégio de viver, não é sequer razoável poder ouvir que o problema da obesidade cresce imparável à escala mundial e, logo a seguir, que no corno de África, espalhadas pelo Quénia, Somália e Etiópia, existem doze milhões de pessoas a morrer de fome, devido à seca e, em alguns locais, à existência de milícias armadas que impedem a chegada de ajuda humanitária.
Quando as proezas científicas se sucedem a um ritmo imparável, quando um xeique dos Emirados Árabes Unidos manda construir um sistema de canais que inscreve o seu nome na areia, numa dimensão que torna a palavra legível a partir do espaço e, ao mesmo tempo, existem pessoas a morrer de fome e de sede, algo vai muito mal no coração dos homens.
Não me apetece discutir aqui a origem das assimetrias nem, mais facilmente, a origem do mal. Interessa-me, isso sim, falar das terríveis imagens que nos chegam diariamente. Não falo sequer dos mortos. Felizes os mortos. Abençoados todos os mortos. Falo de uma mãe de olhar vazio, perdido no nada, segurando nos braços um filho moribundo.
Quando a Humanidade continua a permitir-se deixar uma mãe com um filho nos braços perder o seu propósito na vida, quando a Humanidade autoriza tamanho paradoxo e permanece atida a respostas pontuais, então é tempo de nos começarmos a interrogar sobre as nossas prioridades, sobre o nosso rumo.
A Cruz Vermelha e outras ONG's intervêm sobre as consequências, num esforço demasiadas vezes inglório.
Eu falo em intervir sobre as causas.
Se pensarmos que esta região designada como o "corno de África" apenas se encontra separada da Arábia Saudita e do Iémen pelo Mar Vermelho e pelo golfo de Aden no oceano Índico, mais facilmente entendemos esta ironia quase doentia que coloca vis-à-vis os que têm tudo e os que nada têm.
Recordo amiúde a figura de Ali Farka Touré, musico maliano, que repetia incessantemente a frase Le miel n'est jamais bon dans une seule bouche. Vivendo de acordo com esse princípio de partilha entre os mais e os menos afortunados, Ali empregava as receitas resultantes da venda dos seus discos a nível mundial, na melhoria das condições de vida da população de Niafunké, pequena localidade de que era Maire.
Não caio no recurso de puxar a questão para argumentos de ordem religiosa. Nesta nossa contemporaneidade facilmente reconhecemos a urgência dos ensinamentos de Cristo. Ali Farka Touré era muçulmano... O que interessa isso?
Não quero, de igual modo, subtrair importância ao contributo que os diversos credos poderiam dar em matéria de tolerância e de solidariedade, ao invés de se digladiarem quase universalmente.
Açoka, célebre rei budista da Índia que renunciou a qualquer conquista militar depois de ter tomado consciência dos horrores da guerra, mandou gravar numa rocha a seguinte inscrição: "Não devemos honrar apenas a nossa religião condenando as outras, mas honrar também as outras religiões por um ou outro motivo. Agindo deste modo, ajudamos a engrandecer a nossa religião e prestamos serviço às outras. Agindo de outro modo, cavamos a sepultura da nossa religião e prejudicamos as outras." (O Rei, o Sábio e o Bobo - Shafique Keshavjee)
Não venho a este texto com a pretensão de apresentar soluções. Muito do que à fome no planeta diz respeito, encontra-se enleado nessa complexa teia de influências a que a cobiça humana deu o nome de geoestratégia.
Não gosto de falar sobre o que não sei.
Gosto (mas só às vezes) de falar sobre o que sinto.
Hoje sinto que a púcara de caldo verde e o copo de vinho que tomei ao almoço me souberam a gula.
Hoje sinto, minha irmã que susténs no colo um filho moribundo, que a tua, que a vossa existência não é em vão. A vossa existência fez hoje de mim uma pessoa melhor.
E quando tiverdes de abater um animal, dizei-lhe de todo o coração: pelo mesmo poder que te destrói, sou igualmente destruído; e serei igualmente consumido.
Porque a lei que te entregou na minha mão me entregará a uma mão mais poderosa.
O teu sangue e o meu sangue mais não são do que a seiva que alimenta a árvore do céu.
E quando com os dentes morderdes uma maçã, dizei-lhe de todo o coração: as tuas sementes viverão no meu corpo, e os rebentos do teu amanhã florirão no meu coração, e o teu perfume será o meu hálito, e juntos nos congratularemos com todas as estações.
(O Profeta – Khalil Gibran)
Simbo
In the heart of the moon
Ali farka Touré & Toumani Diabaté
Quando as proezas científicas se sucedem a um ritmo imparável, quando um xeique dos Emirados Árabes Unidos manda construir um sistema de canais que inscreve o seu nome na areia, numa dimensão que torna a palavra legível a partir do espaço e, ao mesmo tempo, existem pessoas a morrer de fome e de sede, algo vai muito mal no coração dos homens.
Não me apetece discutir aqui a origem das assimetrias nem, mais facilmente, a origem do mal. Interessa-me, isso sim, falar das terríveis imagens que nos chegam diariamente. Não falo sequer dos mortos. Felizes os mortos. Abençoados todos os mortos. Falo de uma mãe de olhar vazio, perdido no nada, segurando nos braços um filho moribundo.
Quando a Humanidade continua a permitir-se deixar uma mãe com um filho nos braços perder o seu propósito na vida, quando a Humanidade autoriza tamanho paradoxo e permanece atida a respostas pontuais, então é tempo de nos começarmos a interrogar sobre as nossas prioridades, sobre o nosso rumo.
A Cruz Vermelha e outras ONG's intervêm sobre as consequências, num esforço demasiadas vezes inglório.
Eu falo em intervir sobre as causas.
Se pensarmos que esta região designada como o "corno de África" apenas se encontra separada da Arábia Saudita e do Iémen pelo Mar Vermelho e pelo golfo de Aden no oceano Índico, mais facilmente entendemos esta ironia quase doentia que coloca vis-à-vis os que têm tudo e os que nada têm.
Recordo amiúde a figura de Ali Farka Touré, musico maliano, que repetia incessantemente a frase Le miel n'est jamais bon dans une seule bouche. Vivendo de acordo com esse princípio de partilha entre os mais e os menos afortunados, Ali empregava as receitas resultantes da venda dos seus discos a nível mundial, na melhoria das condições de vida da população de Niafunké, pequena localidade de que era Maire.
Não caio no recurso de puxar a questão para argumentos de ordem religiosa. Nesta nossa contemporaneidade facilmente reconhecemos a urgência dos ensinamentos de Cristo. Ali Farka Touré era muçulmano... O que interessa isso?
Não quero, de igual modo, subtrair importância ao contributo que os diversos credos poderiam dar em matéria de tolerância e de solidariedade, ao invés de se digladiarem quase universalmente.
Açoka, célebre rei budista da Índia que renunciou a qualquer conquista militar depois de ter tomado consciência dos horrores da guerra, mandou gravar numa rocha a seguinte inscrição: "Não devemos honrar apenas a nossa religião condenando as outras, mas honrar também as outras religiões por um ou outro motivo. Agindo deste modo, ajudamos a engrandecer a nossa religião e prestamos serviço às outras. Agindo de outro modo, cavamos a sepultura da nossa religião e prejudicamos as outras." (O Rei, o Sábio e o Bobo - Shafique Keshavjee)
Não venho a este texto com a pretensão de apresentar soluções. Muito do que à fome no planeta diz respeito, encontra-se enleado nessa complexa teia de influências a que a cobiça humana deu o nome de geoestratégia.
Não gosto de falar sobre o que não sei.
Gosto (mas só às vezes) de falar sobre o que sinto.
Hoje sinto que a púcara de caldo verde e o copo de vinho que tomei ao almoço me souberam a gula.
Hoje sinto, minha irmã que susténs no colo um filho moribundo, que a tua, que a vossa existência não é em vão. A vossa existência fez hoje de mim uma pessoa melhor.
Porque a lei que te entregou na minha mão me entregará a uma mão mais poderosa.
O teu sangue e o meu sangue mais não são do que a seiva que alimenta a árvore do céu.
E quando com os dentes morderdes uma maçã, dizei-lhe de todo o coração: as tuas sementes viverão no meu corpo, e os rebentos do teu amanhã florirão no meu coração, e o teu perfume será o meu hálito, e juntos nos congratularemos com todas as estações.
(O Profeta – Khalil Gibran)
Simbo
In the heart of the moon
Ali farka Touré & Toumani Diabaté
21 julho 2011
20 julho 2011
19 julho 2011
Os pássaros brancos
Quem me dera que fôssemos, amor, pássaros brancos sobre a espuma do mar!
Cansamo-nos da chama do meteoro antes de ele fugir e se extinguir;
E a chama da estrela azul do crepúsculo, suspensa sobre a orla do céu,
Despertou nos nossos corações, amor, uma tristeza que não pode morrer.
Humedecida de orvalho chega uma lassitude daqueles que sonharam o lírio e a rosa;
Oh, não sonhes com eles, amor, a chama do meteoro que passa,
Ou a chama da estrela azul que se detém suspensa na queda do orvalho,
Pois quem me dera que nos tornássemos pássaros brancos sobre a espuma errante: eu e tu!
Estou assombrado por inúmeras ilhas e muitas praias de Danaan
Onde o tempo certamente nos esqueceria e a tristeza não mais se aproximaria de nós;
Em breve estaríamos longe da rosa e do lírio e seríamos consumidos pelas chamas,
Se ao menos fôssemos pássaros brancos, amor, flutuando na espuma do mar!
The white birds
W. B. Yeats
Non ti scordar di me
Luciano Pavarotti
Cansamo-nos da chama do meteoro antes de ele fugir e se extinguir;
E a chama da estrela azul do crepúsculo, suspensa sobre a orla do céu,
Despertou nos nossos corações, amor, uma tristeza que não pode morrer.
Humedecida de orvalho chega uma lassitude daqueles que sonharam o lírio e a rosa;
Oh, não sonhes com eles, amor, a chama do meteoro que passa,
Ou a chama da estrela azul que se detém suspensa na queda do orvalho,
Pois quem me dera que nos tornássemos pássaros brancos sobre a espuma errante: eu e tu!
Estou assombrado por inúmeras ilhas e muitas praias de Danaan
Onde o tempo certamente nos esqueceria e a tristeza não mais se aproximaria de nós;
Em breve estaríamos longe da rosa e do lírio e seríamos consumidos pelas chamas,
Se ao menos fôssemos pássaros brancos, amor, flutuando na espuma do mar!
The white birds
W. B. Yeats
Non ti scordar di me
Luciano Pavarotti
Uma resposta muito "particular"...
Sentei-me na cama tentando perceber as horas, atarantado, sem saber se o telefonema que me pareceu ter acabado de receber fora real ou, apenas, confuso resquício de um sonho tardio.
São assim as investidas contra o arrumo mental. Contra arcas, baús, caixotes, caixas... caixinhas de música, em que guardamos e organizamos a nossa existência passada, numa tentativa desesperada de conferir alguma lógica de inteligibilidade e razão de ser à vida vivida, sob pena de nela nos perdermos.
São, igualmente assim, os assombros do coração. Se Deus trabalha de misteriosas maneiras, fá-lo-á através do coração?
Uma conversa de apenas alguns minutos e toda a fortaleza tremeu até ao mais profundo dos seus alicerces.
De que serve querermos dar entendimento às coisas quando tudo se desmorona como um castelo de cartas à mínima corrente de ar, ao menor capricho da vida?
Creio serem estas as encruzilhadas que nos colocam perante o ónus do nosso livre-arbítrio. E agora, o que faço? E agora, por onde vou?
Tenho para mim que sabedoria é muito mais do que mero conhecimento, mesmo que enciclopédico. De que me adianta tentar tirar lições de tudo o que ficou do passado se isso não me servir para ser feliz hoje?
Cada vez mais me convenço de que o nosso propósito na vida é o de descobrir a fórmula mágica que nos permita ser felizes fazendo, ao mesmo tempo, felizes todos quantos nos rodeiam. Se conseguirmos atingir essa verdadeira simbiose de felicidade, seremos, então sim, seres de luz em todo o seu esplendor.
O hoje é um dia a mais que o ontem mas é também um dia a menos que o amanhã.
O ontem trouxe-me dor, sofrimento e desilusão. E depois? Onde está escrito que se trate de uma inevitabilidade pela qual tenha que passar novamente? Se, como escreveu Oscar Wilde , o futuro é uma mera possibilidade, acho que vou querer ser feliz hoje!
Night and Day
Ella Fitzgerald
São assim as investidas contra o arrumo mental. Contra arcas, baús, caixotes, caixas... caixinhas de música, em que guardamos e organizamos a nossa existência passada, numa tentativa desesperada de conferir alguma lógica de inteligibilidade e razão de ser à vida vivida, sob pena de nela nos perdermos.
São, igualmente assim, os assombros do coração. Se Deus trabalha de misteriosas maneiras, fá-lo-á através do coração?
Uma conversa de apenas alguns minutos e toda a fortaleza tremeu até ao mais profundo dos seus alicerces.
De que serve querermos dar entendimento às coisas quando tudo se desmorona como um castelo de cartas à mínima corrente de ar, ao menor capricho da vida?
Creio serem estas as encruzilhadas que nos colocam perante o ónus do nosso livre-arbítrio. E agora, o que faço? E agora, por onde vou?
Tenho para mim que sabedoria é muito mais do que mero conhecimento, mesmo que enciclopédico. De que me adianta tentar tirar lições de tudo o que ficou do passado se isso não me servir para ser feliz hoje?
Cada vez mais me convenço de que o nosso propósito na vida é o de descobrir a fórmula mágica que nos permita ser felizes fazendo, ao mesmo tempo, felizes todos quantos nos rodeiam. Se conseguirmos atingir essa verdadeira simbiose de felicidade, seremos, então sim, seres de luz em todo o seu esplendor.
O hoje é um dia a mais que o ontem mas é também um dia a menos que o amanhã.
O ontem trouxe-me dor, sofrimento e desilusão. E depois? Onde está escrito que se trate de uma inevitabilidade pela qual tenha que passar novamente? Se, como escreveu Oscar Wilde , o futuro é uma mera possibilidade, acho que vou querer ser feliz hoje!
Night and Day
Ella Fitzgerald
15 julho 2011
Mesmo com as mãos tremendo e a alma partida
Não te mereço, Maria Ermengarda!
Eu sei que não devia beber tanto vinho branco. Ainda por cima daqueles que ostentam o rótulo de "boa escolha". Eu já estou farto de saber que o critério de "boa escolha" é sinónimo de três quartos do caminho para um estado absolutamente etilizado.
Dá-me de beber, Maria Ermengarda. Mas desta feita vai ao piporro. Enche-me o copo daquele tinto que marca a pedra mármore do balcão do taberneiro assim com como tu me marcas o granito da lápide.
Não chores sobre a minha sepultura. Não é coi, cova ou última morada. É um cantinho quente, de frente para o oceano. É o aconchego de alguém a quem Deus apareceu em sonhos e disse:
- Meu filho: o teu destino é o de andar pelo mundo a espalhar amor.
Faz luto, Maria Ermengarda. Mas não desses lutos do Estado-Novo. Xailes negros e carpideiras.
Veste aquele teu vestido de lascívia negra e desce em espiral pelo varão da minha memória.
Deita-te sobre a pedra fria como se fora o meu corpo quente. Delicia-te com os laivos do final de dia feitos esgares de prazer.
Traz-me mais um copo desse tinto indecoroso. Vai célere Maria Ermengarda que se me escoa a inspiração.
Não sei como, não sei por que artes. Sei que hoje vou fazer amor contigo.
É vertiginoso o desejo, inevitável o desfecho. Ai Maria Ermengarda, que não me tenho!
Anda cá e segura-me pois entro em queda livre. Agarra-me pela lapela desta jaqueta cansada. Prega-me um beijo nos lábios e diz que, apesar de todos os meus inconfessáveis defeitos, me queres, me amas.
Andai ligeiro Maria Ermengarda que se me esvai também o tinto.
Não te mereço Maria, quanto mais a ti, que és Maria Ermengarda.
Querer-te é querer demais.
Dá-me luz, mulher. Dá-me a certeza de ser. Faz-me real, faz-me existir, caminhar sobre as águas, ser senhor de mim mesmo.
Eu sei que não devia beber tanto vinho branco. Ainda por cima daqueles que ostentam o rótulo de "boa escolha". Eu já estou farto de saber que o critério de "boa escolha" é sinónimo de três quartos do caminho para um estado absolutamente etilizado.
Dá-me de beber, Maria Ermengarda. Mas desta feita vai ao piporro. Enche-me o copo daquele tinto que marca a pedra mármore do balcão do taberneiro assim com como tu me marcas o granito da lápide.
Não chores sobre a minha sepultura. Não é coi, cova ou última morada. É um cantinho quente, de frente para o oceano. É o aconchego de alguém a quem Deus apareceu em sonhos e disse:
- Meu filho: o teu destino é o de andar pelo mundo a espalhar amor.
Faz luto, Maria Ermengarda. Mas não desses lutos do Estado-Novo. Xailes negros e carpideiras.
Veste aquele teu vestido de lascívia negra e desce em espiral pelo varão da minha memória.
Deita-te sobre a pedra fria como se fora o meu corpo quente. Delicia-te com os laivos do final de dia feitos esgares de prazer.
Traz-me mais um copo desse tinto indecoroso. Vai célere Maria Ermengarda que se me escoa a inspiração.
Não sei como, não sei por que artes. Sei que hoje vou fazer amor contigo.
É vertiginoso o desejo, inevitável o desfecho. Ai Maria Ermengarda, que não me tenho!
Anda cá e segura-me pois entro em queda livre. Agarra-me pela lapela desta jaqueta cansada. Prega-me um beijo nos lábios e diz que, apesar de todos os meus inconfessáveis defeitos, me queres, me amas.
Andai ligeiro Maria Ermengarda que se me esvai também o tinto.
Não te mereço Maria, quanto mais a ti, que és Maria Ermengarda.
Querer-te é querer demais.
Dá-me luz, mulher. Dá-me a certeza de ser. Faz-me real, faz-me existir, caminhar sobre as águas, ser senhor de mim mesmo.
13 julho 2011
11 julho 2011
Uma bela janta...
A ementa de hoje:
- Bife com manteiga de poejo;
- Puré de maçã;
- Azeitonas de Belmonte;
- Salada de tomate cherry com manjericão;
- Vinho tinto "Adega Cooperativa de Borba - Reserva - 1991".
- Bife com manteiga de poejo;
- Puré de maçã;
- Azeitonas de Belmonte;
- Salada de tomate cherry com manjericão;
- Vinho tinto "Adega Cooperativa de Borba - Reserva - 1991".
04 julho 2011
Sons
Por cá diz-se mais "Longe da vista, longe do coração!". Mas a ironia da vida é tão superior a estas máximas e insiste em pôr-nos à prova.
Adolescents
Incubus
Adolescents
Incubus
27 junho 2011
Final de prazo
A vida é como uma corda
De tristeza e alegria
Que saltamos a correr
Pé em baixo, pé em cima
Até morrer
Não convém esticá-la
Nem que fique muito solta
Bamba é a conta certa
Como dança de ida e volta
Que mantém a via aberta
Dançar na corda bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba
Salta agora pelo amor
Ele dá o paladar
Mesmo que a tua sorte
Seja a de um perdedor
Nunca deixes de saltar
Se saltares muito alto
Não tenhas medo de cair
De ficar infeliz
Feliz a cem por cento
Só mesmo um pateta feliz
Dançar na Corda Bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba
Termina hoje o prazo de candidatura para algo que poderá ser muito importante para os meus próximos anos de vida.
Depois de encerrar a questão, dei por mim à espera de que uma qualquer sensação me assaltasse. Nada! Que aridez, porra! Ao menos um pouco de alívio para compensar o empenho...
E lá me ensaiei outra vez, qual perdigueiro de focinho no ar, a tentar perceber, a tentar adivinhar qualquer coisa. Nada... esperem... não... nada mesmo.
Estou como o artista de trapézio: depois de tantos anos a fazer mortais encarpados, a rede é-lhe indiferente. Cada salto é isso mesmo: apenas mais um salto.
E de salto em salto, saltou-me à memória esta letra do Carlos Tê: Dançar na Corda Bamba. A memória é algo de híbrido. Estranhos os mecanismos através dos quais lhe acedemos.
E assim sigo, dançando na corda bamba.
Saltar na corda Bamba
Clã
De tristeza e alegria
Que saltamos a correr
Pé em baixo, pé em cima
Até morrer
Não convém esticá-la
Nem que fique muito solta
Bamba é a conta certa
Como dança de ida e volta
Que mantém a via aberta
Dançar na corda bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba
Salta agora pelo amor
Ele dá o paladar
Mesmo que a tua sorte
Seja a de um perdedor
Nunca deixes de saltar
Se saltares muito alto
Não tenhas medo de cair
De ficar infeliz
Feliz a cem por cento
Só mesmo um pateta feliz
Dançar na Corda Bamba
Não é techno, não é samba
É a dança do ter e não ter
É a dança da Corda Bamba
Termina hoje o prazo de candidatura para algo que poderá ser muito importante para os meus próximos anos de vida.
Depois de encerrar a questão, dei por mim à espera de que uma qualquer sensação me assaltasse. Nada! Que aridez, porra! Ao menos um pouco de alívio para compensar o empenho...
E lá me ensaiei outra vez, qual perdigueiro de focinho no ar, a tentar perceber, a tentar adivinhar qualquer coisa. Nada... esperem... não... nada mesmo.
Estou como o artista de trapézio: depois de tantos anos a fazer mortais encarpados, a rede é-lhe indiferente. Cada salto é isso mesmo: apenas mais um salto.
E de salto em salto, saltou-me à memória esta letra do Carlos Tê: Dançar na Corda Bamba. A memória é algo de híbrido. Estranhos os mecanismos através dos quais lhe acedemos.
E assim sigo, dançando na corda bamba.
Saltar na corda Bamba
Clã
23 junho 2011
Em cascata
As palavras precipitam-se em cascata.
Gotas dispersas em explosões de grafia, de semântica, confundindo a sintaxe deste feriado obtuso e estúpido.
Aborreço-me com o uivo das hienas, tão ao longe mas tão estrondosamente ensurdecedor. Aborreço-me e... aborreço quem me rodeia.
A esta hora do dia, tudo se me apressa, como que a querer fugir ao crepúsculo. O copo esvazia-se como se estivesse furado, as andorinhas voam em frenesim e, sobre elas, as gaivotas, sem saber o que fazer, sabendo apenas... ser.
Os gomos de lima mirram na ausência de álcool.
Bocejo. Tamanha a frustração deste final de tarde.
Mas não! Não me apetece deixar ir. Hoje sou eu quem manda.
Vou acabar este post, levantar-me do banco, erguer os olhos para um céu entrecortado pelo verde viçoso das árvores que balançam e ululam, e pensar em algo altamente sofisticado como, por exemplo, o que fazer para o jantar. É isso!
Até já!
Até sempre!
Gotas dispersas em explosões de grafia, de semântica, confundindo a sintaxe deste feriado obtuso e estúpido.
Aborreço-me com o uivo das hienas, tão ao longe mas tão estrondosamente ensurdecedor. Aborreço-me e... aborreço quem me rodeia.
A esta hora do dia, tudo se me apressa, como que a querer fugir ao crepúsculo. O copo esvazia-se como se estivesse furado, as andorinhas voam em frenesim e, sobre elas, as gaivotas, sem saber o que fazer, sabendo apenas... ser.
Os gomos de lima mirram na ausência de álcool.
Bocejo. Tamanha a frustração deste final de tarde.
Mas não! Não me apetece deixar ir. Hoje sou eu quem manda.
Vou acabar este post, levantar-me do banco, erguer os olhos para um céu entrecortado pelo verde viçoso das árvores que balançam e ululam, e pensar em algo altamente sofisticado como, por exemplo, o que fazer para o jantar. É isso!
Até já!
Até sempre!
... eu finjo que não existo.
Sibila de Delfos Miguel Angelo (Pormenor do tecto da Capela Sistina) |
somos de tanta água que te faço fonte para sempre. acolhe-me, escolhe-me. resguardo-te. sem a alquimia dos milagres. com a prata que é o meu sangue.
pode o excesso ser belo na cegueira da luz perguntava o pastor ao rio que não corria. e das sementes pascoalinas apenas um grito. que não. nada do que é infinito se fica pela esfera que sendo centro é variação em linha recta. também. parábola das assimetrias convergentes apenas por um golpe de ouro.
somos peregrinos de um refúgio. tatuamos a água no dorso.
e o pastor seguiu pela estrada do mar. divinamente cego.
(...) como um rumo impossível, comungo-te. em curva. que sou mais anel que vocação.
e que me importa a desorganização da semântica se lá fora o juízo é sátiro e o mês um vocábulo insuficiente e insano. não uso o vazio como sinistro nem os lábios como crepúsculo. esta é a minha terra. estes os meus dedos. geográficos e litigantes sobre a palavra. em que me devolvo à terra.
e à água. qual sibila entre os muros ascensionais vestida de rasgões a serem passos ou beijos radiantes. parto. mais perto da terra o assobio é brasa e o braço ponte. margem. nunca ácidos os dedos que legitimam esta água.
um dia os anjos serão tantos que adormecer será uma vaga narrativa de correspondências amplas e cruas. renasce o caminho por entre as urtigas e as rosas como vegetais estruturas de uma vida em suspenso. um dia a tua mão será epígrafe imperturbável. e eu apenas a memória de uma travessia. tão ao longe que todo o perto será abismo.
As Lágrimas Estão Todas na Garganta do Mar
Isabel Mendes Ferreira
Sem Cor
Dr1ve
02 junho 2011
Sons
To Build a Home
The Cinematic Orchestra ft. Patrick Watson
...Out in the garden where we planted the seeds
There is a tree as old as me.
By the cracks of the skin I climbed to the top
I climbed the tree to see the world
When a gust of wind came to blow me down
I held on as tightly as you held onto me
I held on as tightly as you held onto me......
27 maio 2011
25 maio 2011
Morena serrana
Olhos cor de avelã, jeito de menina.
Passo aveludado escondendo um andar decidido.
Toda ela é determinação e espírito de sacrifício. A genética tem destas coisas. O universo, esse supremo ferreiro, deu ar à fornalha e forjou um estupendo ser humano, misto de serra beirã e de planície alentejana, capaz de fazer frente a qualquer intempérie com que a vida a confronte.
Curiosa e desconcertante é a sua insegurança. É uma menina gigante ou, quiçá, um gigante feito menina.
Prefere o recato às luzes da ribalta.
Em segredo, liberta-se. Em segredo desabrocha num furacão implacável, devorando medos e hesitações, num rumo imparável que é só seu mas que, querendo, se permite partilhar.
Aprecio tamanhos braços, capazes de estreitar uma criança a ponto de a fazer transbordar de amor e, ao mesmo tempo, de abraçar a mais grandiosa das causas.
Pasmo perante o conforto do seu colo, capaz de dar sossego e aconchego tanto ao petiz como ao avô, em doses que não necessita repartir porque de si brotam inesgotáveis.
Não é só uma mulher, nem uma mulher só. Jamais o será (embora ainda não o tenha compreendido).
Esta morena de rabo empinado nunca perde a compostura.
Treme, vacila, morde o lábio inferior e enche os olhos de lágrimas por cair, deixando escapar apenas um "que chatice!".
Não é resignação, é perseverança. Talvez aquela com que a terra vermelha da mãe África lhe impregnou os pulmões quando inspirou ar pela primeira vez na sua vida.
Mulher, amiga, amante e companheira.
Um dia irá abrir o guarda-fatos com o mesmo à vontade com que se faz à faina do dia-a-dia, enxotar todos os fantasmas que mantém guardados e deixar-se, tão simplesmente, continuar a aprender.
É assim esta minha morena serrana.
Passo aveludado escondendo um andar decidido.
Toda ela é determinação e espírito de sacrifício. A genética tem destas coisas. O universo, esse supremo ferreiro, deu ar à fornalha e forjou um estupendo ser humano, misto de serra beirã e de planície alentejana, capaz de fazer frente a qualquer intempérie com que a vida a confronte.
Curiosa e desconcertante é a sua insegurança. É uma menina gigante ou, quiçá, um gigante feito menina.
Prefere o recato às luzes da ribalta.
Em segredo, liberta-se. Em segredo desabrocha num furacão implacável, devorando medos e hesitações, num rumo imparável que é só seu mas que, querendo, se permite partilhar.
Aprecio tamanhos braços, capazes de estreitar uma criança a ponto de a fazer transbordar de amor e, ao mesmo tempo, de abraçar a mais grandiosa das causas.
Pasmo perante o conforto do seu colo, capaz de dar sossego e aconchego tanto ao petiz como ao avô, em doses que não necessita repartir porque de si brotam inesgotáveis.
Não é só uma mulher, nem uma mulher só. Jamais o será (embora ainda não o tenha compreendido).
Esta morena de rabo empinado nunca perde a compostura.
Treme, vacila, morde o lábio inferior e enche os olhos de lágrimas por cair, deixando escapar apenas um "que chatice!".
Não é resignação, é perseverança. Talvez aquela com que a terra vermelha da mãe África lhe impregnou os pulmões quando inspirou ar pela primeira vez na sua vida.
Mulher, amiga, amante e companheira.
Um dia irá abrir o guarda-fatos com o mesmo à vontade com que se faz à faina do dia-a-dia, enxotar todos os fantasmas que mantém guardados e deixar-se, tão simplesmente, continuar a aprender.
É assim esta minha morena serrana.
24 maio 2011
23 maio 2011
Grelhada primaveril
Vim ver o mar, intrometer-me entre a falésia e a água, caminhar sobre as arestas da duna que a maresia castigou, descobrir para que lado suspira o vento e deixar-me acariciar.
Fecho os olhos e o vento é agora as tuas mãos no meu rosto. Mãos que só assim são as tuas. Fossem elas reais e ser-me-iam já estranhas.
O dia vira-me a cara e eu faço-lhe o mesmo, mas apenas para encontrar os teus olhos e neles estampado o sol.
Não te rias de mim, dos meus vazios, das coisas que não compreendo.
Um dia procurarás em vão por mim a teu lado, numa cama despida de amor, sem outro aconchego que não a memória de um beijo tardio. A recordação de uma almofada feita berço de suspiros, esgares de prazer e juras de amor.
Não há qualquer regozijo. Apenas um laivo de intuição. São coisas que não se explicam... apenas se sentem, desprovidas de sentimento, de emoção, de quaisquer juízos de valor.
Uma brisa costeira arranca odores a pés rasteiros de rosmaninho e o ar ganha laivos de primavera marítima.
Uma raposa assome-se de focinho no ar, farejando o pólen.
As andorinhas tecem teias de elegância em contra-luz.
Um pica-pau, distante, martela um pinheiro, como alguém batendo à porta do meu desconcerto.
Desço a duna e enraízo os pés na areia grossa. Deito-me de costas e fico de olhar perdido no último dos azuis. Mas o apelo do mar é sempre mais forte. Em menos de nada estou dentro de água, nadando, sem rumo, sem pressa.
O tempo passa lenta mas imparavelmente, entre cada par de braçadas. Sinto-me arrefecer. Saio de dentro de água, arrepiado.
A luz desvanece-se. Alargo o passo, fugindo à noite.
Caminho fazendo a revisão do dia, a revisão da matéria dada. O que foi que aprendi hoje? Aflige-me pensar que a resposta é "nada".
Mas o que sei eu?
Muito sou, precisamente porque pouco sei.
É isso!
Nada como um pensamento reconfortante para justificar a impossibilidade de racionalizar. Mas ainda bem: a razão é falaciosa.
Revisitarei este assunto... a seu tempo. Não hoje, não agora, não na presença de um copo vazio.
Fecho os olhos e o vento é agora as tuas mãos no meu rosto. Mãos que só assim são as tuas. Fossem elas reais e ser-me-iam já estranhas.
O dia vira-me a cara e eu faço-lhe o mesmo, mas apenas para encontrar os teus olhos e neles estampado o sol.
Não te rias de mim, dos meus vazios, das coisas que não compreendo.
Um dia procurarás em vão por mim a teu lado, numa cama despida de amor, sem outro aconchego que não a memória de um beijo tardio. A recordação de uma almofada feita berço de suspiros, esgares de prazer e juras de amor.
Não há qualquer regozijo. Apenas um laivo de intuição. São coisas que não se explicam... apenas se sentem, desprovidas de sentimento, de emoção, de quaisquer juízos de valor.
Uma brisa costeira arranca odores a pés rasteiros de rosmaninho e o ar ganha laivos de primavera marítima.
Uma raposa assome-se de focinho no ar, farejando o pólen.
As andorinhas tecem teias de elegância em contra-luz.
Um pica-pau, distante, martela um pinheiro, como alguém batendo à porta do meu desconcerto.
Desço a duna e enraízo os pés na areia grossa. Deito-me de costas e fico de olhar perdido no último dos azuis. Mas o apelo do mar é sempre mais forte. Em menos de nada estou dentro de água, nadando, sem rumo, sem pressa.
O tempo passa lenta mas imparavelmente, entre cada par de braçadas. Sinto-me arrefecer. Saio de dentro de água, arrepiado.
A luz desvanece-se. Alargo o passo, fugindo à noite.
Caminho fazendo a revisão do dia, a revisão da matéria dada. O que foi que aprendi hoje? Aflige-me pensar que a resposta é "nada".
Mas o que sei eu?
Muito sou, precisamente porque pouco sei.
É isso!
Nada como um pensamento reconfortante para justificar a impossibilidade de racionalizar. Mas ainda bem: a razão é falaciosa.
Revisitarei este assunto... a seu tempo. Não hoje, não agora, não na presença de um copo vazio.
21 maio 2011
Resposta à partícula M
Prateadas como a luz do luar
Aos cardumes, aos magotes.
Rodopiam em uníssono
Abrindo espirais de luz
Numa dança irrepetível,
Abraçam o azul do mar,
Odaliscas de azul riscadas.
Tentação de Verão,
Espalham um aroma próprio.
Fervilhando, ariscas,
Incandescentes,
Crepitantes.
Arrepio de sal no lombo,
Rolando na brasa,
Encharcando uma fatia de broa,
Saciam a fome aos pobres.
Aquecem-nos o coração,
Riem-se no prato,
Iluminam-nos a mesa.
Refiro-me a quê?
Aos cardumes, aos magotes.
Rodopiam em uníssono
Abrindo espirais de luz
Numa dança irrepetível,
Abraçam o azul do mar,
Odaliscas de azul riscadas.
Tentação de Verão,
Espalham um aroma próprio.
Fervilhando, ariscas,
Incandescentes,
Crepitantes.
Arrepio de sal no lombo,
Rolando na brasa,
Encharcando uma fatia de broa,
Saciam a fome aos pobres.
Aquecem-nos o coração,
Riem-se no prato,
Iluminam-nos a mesa.
Refiro-me a quê?
18 maio 2011
Como o vento que sussurra entre as folhas de uma árvore.
A vizinha do lado vocifera. O marido (ou lá o que seja) responde em surdina.
Não me apetece esta agonia do desentendimento entre pessoas.
Bebi um copo de vinho. Apetece-me um ar que não o doméstico. O ar de casa é sempre aquele que o nosso próprio estado de espírito constrói. Nem puro nem nefasto. Ele há momentos em que a paleta da vida não nos quer oferecer outra cor senão o cinzento.
E a gritaria continua...
Melody Gardot no leitor de cds. Pode ser que a vibração de Love me like a river does ajude a refrear o conflito.
Vou para a porta das traseiras e acendo um bidi. Gosto deste desafio de manter incandescentes os laivos de tabaco enrolados em folha de diospireiro.
Eu e a minha partícula M estivémos a trocar galhardetes no FB. Esta mulher, não tendo o condão da omnipresença, surge-me sempre disparada, sabe-se lá vinda de onde e através de que mistérios, nos momentos em que me faz falta uma laracha.
É bonita a sensação de cumplicidade que desenvolvemos com certas pessoas. Tenho para mim que um legítimo propósito na vida poderia muito bem ser o de conseguir semelhante estado de alma relativamente a todas as pessoas que cruzam a nossa existência terrena.
Hoje à tarde sentei-me numa cadeira com um pedaço de papel colado nas costas, com os seguintes dizeres: Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Melhor Mestre em Museologia / 2010.
Celebrou-se o 33º aniversário da FCSH da UNL, assinaram-se protocolos, discursaram Secretário de Estado, Reitor, Director...
Perdi-me numa abstracção total. Na minha mente desfilaram em silêncio professores e colegas de mestrado. Não tenho a menor dúvida de que aquele diploma de Mestrado que recebi é deles também. Desprezo lugares-comuns. Nem faria qualquer sentido. Neste momento estou aqui a escrever de mim para mim.
Teria eu alcançado com tanto empenhamento e tamanho prazer a meta que tracei? De certeza que não! As pessoas passam por nós e nós por elas. O ser humano é duma permeabilidade extrema. E ainda bem que assim é. Bebemos dos outros enquanto, simultaneamente, nos damos a beber.
Escrevi algures que é no solo da partilha que melhor germinam as sementes do conhecimento.
É indelével a amizade, a troca de vivências sociais, culturais e académicas que experimentei, sobretudo durante o ano curricular do curso. Alguns ficaram, compagnons de route, outros seguiram os seus caminhos sem se terem demorado mais do que aquilo que cada um de nós achou necessário.
Por muito que um dia julgue tê-los esquecido, haverá sempre algo deles em mim, algo que transcende o nosso entendimento imediato das coisas. Uma carícia que não se vê mas que se sente, tal como o vento que sussurra entre as folhas de uma árvore.
Não me apetece esta agonia do desentendimento entre pessoas.
Bebi um copo de vinho. Apetece-me um ar que não o doméstico. O ar de casa é sempre aquele que o nosso próprio estado de espírito constrói. Nem puro nem nefasto. Ele há momentos em que a paleta da vida não nos quer oferecer outra cor senão o cinzento.
E a gritaria continua...
Melody Gardot no leitor de cds. Pode ser que a vibração de Love me like a river does ajude a refrear o conflito.
Vou para a porta das traseiras e acendo um bidi. Gosto deste desafio de manter incandescentes os laivos de tabaco enrolados em folha de diospireiro.
Eu e a minha partícula M estivémos a trocar galhardetes no FB. Esta mulher, não tendo o condão da omnipresença, surge-me sempre disparada, sabe-se lá vinda de onde e através de que mistérios, nos momentos em que me faz falta uma laracha.
É bonita a sensação de cumplicidade que desenvolvemos com certas pessoas. Tenho para mim que um legítimo propósito na vida poderia muito bem ser o de conseguir semelhante estado de alma relativamente a todas as pessoas que cruzam a nossa existência terrena.
Hoje à tarde sentei-me numa cadeira com um pedaço de papel colado nas costas, com os seguintes dizeres: Universidade Nova de Lisboa - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Melhor Mestre em Museologia / 2010.
Celebrou-se o 33º aniversário da FCSH da UNL, assinaram-se protocolos, discursaram Secretário de Estado, Reitor, Director...
Perdi-me numa abstracção total. Na minha mente desfilaram em silêncio professores e colegas de mestrado. Não tenho a menor dúvida de que aquele diploma de Mestrado que recebi é deles também. Desprezo lugares-comuns. Nem faria qualquer sentido. Neste momento estou aqui a escrever de mim para mim.
Teria eu alcançado com tanto empenhamento e tamanho prazer a meta que tracei? De certeza que não! As pessoas passam por nós e nós por elas. O ser humano é duma permeabilidade extrema. E ainda bem que assim é. Bebemos dos outros enquanto, simultaneamente, nos damos a beber.
Escrevi algures que é no solo da partilha que melhor germinam as sementes do conhecimento.
É indelével a amizade, a troca de vivências sociais, culturais e académicas que experimentei, sobretudo durante o ano curricular do curso. Alguns ficaram, compagnons de route, outros seguiram os seus caminhos sem se terem demorado mais do que aquilo que cada um de nós achou necessário.
Por muito que um dia julgue tê-los esquecido, haverá sempre algo deles em mim, algo que transcende o nosso entendimento imediato das coisas. Uma carícia que não se vê mas que se sente, tal como o vento que sussurra entre as folhas de uma árvore.
15 abril 2011
Beethoven ft. Perez Prado
E depois venham-me cá com histórias que existem gaps geracionais que impedem as crianças de gostar de música clássica e que as modas prevalecem sobre a qualidade. Dêm-me 3 minutos numa sala com miúdos e eu explicar-lhes-ei como o Rap ou o Hip-Hop são para a sociedade de hoje tão revolucionários como o foi a música de Wagner no seu tempo. Ou como o arroz de favas do nosso Eça era tão à frente como esta junk food que por aí grassa, mas muito mais saudável. Ou ainda, como o grafitti tem tanto de inovador, de artístico e de contestatário e rebelde como o movimento futurista do início do século XIX.
Dêem-me uma escola nova para os nossos filhos...
12 abril 2011
A HISTÓRIA DE UM DIA
A abóbada da tarde mais uma vez acaba
o sol de a fechar sobre a minha diária aventura
Viram-no partir pontualmente à mesma hora
quando num pouco de dia a um canto sempre a um canto
já eu tinha conseguido arredondar
uma íntima ampola de som para a palavra definitiva
Ia mesmo soltá-la eu que todo o dia fui para ela quando
ele me deixou e foi abrir outras portas
erguer verticalmente caídas esperanças
e passar novas mãos por tantas faces mortas
Só me resta recolher o meu rebanho de pensamentos
com um vago rumor de guizos
enquanto à beira-mar os camponeses deixam
palavras não aladas cair na água morta
Morro irremediavelmente nesses pensamentos
que ainda agora o sol iluminava
enquanto eu os estendia e os recolhia
e os orientava numa direcção que convinha
e os precipitava sobre o fumo de uma casa
sobre um buraco de luz ou uma coluna de fumo
mais volúveis que um bando de pássaros
Morro mais uma vez criticamente completo
Todos os gestos
carregados com vinte e quatro horas de história
de ventre ferido na aventura do restolho
petrificaram inevitavelmente
na face orientada de uma estátua
aqui ou noutro jardim
Todo o caminho é de regresso
Amanhã serei outro:
lavarei os dentes com toda a solenidade
como antigamente meu pai antes das grandes viagens
enquanto alguém no espelho
se encarregará de olhar pelos meus olhos
Assim sou passado de dia em dia
confiado pelo dia que parte ao dia que chega
não venha o sino que ao longe toca perturbar
as linhas de um rosto que recompus
e pus de pé na atmosfera doméstica
Fechar um postigo pode ser um gesto cheio de significado quando
na arrumada paisagem quotidiana
a expectativa marcada pela funda inspiração
nos revela duas ou três mãos
postas sobre a colina
Amanhã serei outro
Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates
o sol de a fechar sobre a minha diária aventura
Viram-no partir pontualmente à mesma hora
quando num pouco de dia a um canto sempre a um canto
já eu tinha conseguido arredondar
uma íntima ampola de som para a palavra definitiva
Ia mesmo soltá-la eu que todo o dia fui para ela quando
ele me deixou e foi abrir outras portas
erguer verticalmente caídas esperanças
e passar novas mãos por tantas faces mortas
Só me resta recolher o meu rebanho de pensamentos
com um vago rumor de guizos
enquanto à beira-mar os camponeses deixam
palavras não aladas cair na água morta
Morro irremediavelmente nesses pensamentos
que ainda agora o sol iluminava
enquanto eu os estendia e os recolhia
e os orientava numa direcção que convinha
e os precipitava sobre o fumo de uma casa
sobre um buraco de luz ou uma coluna de fumo
mais volúveis que um bando de pássaros
Morro mais uma vez criticamente completo
Todos os gestos
carregados com vinte e quatro horas de história
de ventre ferido na aventura do restolho
petrificaram inevitavelmente
na face orientada de uma estátua
aqui ou noutro jardim
Todo o caminho é de regresso
Amanhã serei outro:
lavarei os dentes com toda a solenidade
como antigamente meu pai antes das grandes viagens
enquanto alguém no espelho
se encarregará de olhar pelos meus olhos
Assim sou passado de dia em dia
confiado pelo dia que parte ao dia que chega
não venha o sino que ao longe toca perturbar
as linhas de um rosto que recompus
e pus de pé na atmosfera doméstica
Fechar um postigo pode ser um gesto cheio de significado quando
na arrumada paisagem quotidiana
a expectativa marcada pela funda inspiração
nos revela duas ou três mãos
postas sobre a colina
Amanhã serei outro
Ruy Belo
Aquele Grande Rio Eufrates
25 março 2011
24 março 2011
Destinos
Algum dia, em alguma parte, em qualquer lugar,
encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa,
pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas.
Pablo Neruda
Times Like These (Acoustic Version)
Foo Fighters
encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa,
pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas.
Pablo Neruda
Times Like These (Acoustic Version)
Foo Fighters
21 março 2011
Dia do Pai 2011 - Rabo de Peixe Margem Sul
A cabra cega das maçãs (com as costas feitas num ponto de interrogação e segurando um saco de gelo com a mão direita).
Quando as mães são de mão-cheia, ser pai é facílimo! ;-)
Quando as mães são de mão-cheia, ser pai é facílimo! ;-)
18 março 2011
17 março 2011
Uma noite
Depois de mais uma estirada trôpega e vacilante, ele sucumbiu ao peso da lua cheia que iluminava o céu da aldeia. Deixou-se ficar sentado na valeta, de braço-dado com a estrada poeirenta.
Ela passou em galope veloz, montada na garupa da sua soberba.
Ele sorriu.
Um dia – pensou – um dia a humildade estampar-se-á na tua vida como cinco dedos na cara.
Soergueu-se e procurou o rumo de casa. Pensou num banho quente, no velho cadeirão coçado e num livro de poesia. Sim… de poesia, esse pasto da alma, esse vento Siroco que sempre depositara nas suas mãos eternas sementes de inquietação. Nela mergulhava todas as noites, como se num mar verde esmeralda. Fundo, tão fundo até onde o verde fica mais turvo e se soltam os gritos há muito tempo calados.
Ao retornar de cada uma dessas viagens, a sua existência não era mais a mesma, a sua consciência não estava já onde a havia deixado.
Um cachorro escanzelado atravessou-se-lhe ao caminho. Meio a medo, afoitou-se à força de tanta fome, com a cauda entre as pernas. Ganhou os restos de um pedaço de pão duro. Tudo se partilha, até mesmo a miséria quando nada mais há para partilhar.
Tirou do bolso uma garrafa de esperança. Sorveu um trago… e ainda outro.
Cerrou os olhos, deixou que a sua cabeça pendesse para trás. Inspirou fundo engasgando-se com a resposta de dois pulmões cheios de fumo e de mágoa.
Suspirou...
Contemplou o céu...
Avançou...
Viveu!
Sem cor
Dr1ve
Ela passou em galope veloz, montada na garupa da sua soberba.
Ele sorriu.
Um dia – pensou – um dia a humildade estampar-se-á na tua vida como cinco dedos na cara.
Soergueu-se e procurou o rumo de casa. Pensou num banho quente, no velho cadeirão coçado e num livro de poesia. Sim… de poesia, esse pasto da alma, esse vento Siroco que sempre depositara nas suas mãos eternas sementes de inquietação. Nela mergulhava todas as noites, como se num mar verde esmeralda. Fundo, tão fundo até onde o verde fica mais turvo e se soltam os gritos há muito tempo calados.
Ao retornar de cada uma dessas viagens, a sua existência não era mais a mesma, a sua consciência não estava já onde a havia deixado.
Um cachorro escanzelado atravessou-se-lhe ao caminho. Meio a medo, afoitou-se à força de tanta fome, com a cauda entre as pernas. Ganhou os restos de um pedaço de pão duro. Tudo se partilha, até mesmo a miséria quando nada mais há para partilhar.
Tirou do bolso uma garrafa de esperança. Sorveu um trago… e ainda outro.
Cerrou os olhos, deixou que a sua cabeça pendesse para trás. Inspirou fundo engasgando-se com a resposta de dois pulmões cheios de fumo e de mágoa.
Suspirou...
Contemplou o céu...
Avançou...
Viveu!
Sem cor
Dr1ve
16 março 2011
Navegar
Saio do combóio. A estação fervilha de vida nesta manhã de Março.
Cruzam-se estados de espírito, alegrias e preocupações. Cruzam-se pessoas, cruzam-se sonhos, cruzam-se vidas.
A vibração é ininteligível. Dá vontade de nos elevarmos acima da mole humana, abrir as asas e sacudir os nossos tormentos.
Deviamos todos poder ser capazes de nos melhorar com a mesma facilidade com que um pequeno pardal se lava numa poça de água.
Sorvo o momento; sigo caminho.
Hoje tenho uma arguição de Mestrado na Faculdade. É a vez da Sónia... A Sónia e as incontornáveis angústias de quem está preparadíssima mas teima em achar que não. Vai fazer um brilharete. Eu sei que sim!...
É cedo. Sento-me ao sol.
Fecho os meus olhos. Surgem-me os teus, devolvendo a sensação de cada despertar outrora experimentada.
Faltas-me... mas não te quero!
A vaga foi fresca, cristalina, renovadora. Mas não passou disso mesmo: uma vaga que cresceu, nos envolveu e rebentou em todo o seu esplendor. Espraiou-se na praia da vida deixando nada mais do que uma memória sofrida.
A vida é assim mesmo. Mas as marés são muitas e as vagas muitas mais.
De uma coisa eu tenho a certeza: este batel mudou de rumo.
Não lhe diviso o destino.
Não quero, sequer, perder tempo com isso.
Por ora, basta-me o simples navegar...
Sailing
Christopher Cross
Cruzam-se estados de espírito, alegrias e preocupações. Cruzam-se pessoas, cruzam-se sonhos, cruzam-se vidas.
A vibração é ininteligível. Dá vontade de nos elevarmos acima da mole humana, abrir as asas e sacudir os nossos tormentos.
Deviamos todos poder ser capazes de nos melhorar com a mesma facilidade com que um pequeno pardal se lava numa poça de água.
Sorvo o momento; sigo caminho.
Hoje tenho uma arguição de Mestrado na Faculdade. É a vez da Sónia... A Sónia e as incontornáveis angústias de quem está preparadíssima mas teima em achar que não. Vai fazer um brilharete. Eu sei que sim!...
É cedo. Sento-me ao sol.
Fecho os meus olhos. Surgem-me os teus, devolvendo a sensação de cada despertar outrora experimentada.
Faltas-me... mas não te quero!
A vaga foi fresca, cristalina, renovadora. Mas não passou disso mesmo: uma vaga que cresceu, nos envolveu e rebentou em todo o seu esplendor. Espraiou-se na praia da vida deixando nada mais do que uma memória sofrida.
A vida é assim mesmo. Mas as marés são muitas e as vagas muitas mais.
De uma coisa eu tenho a certeza: este batel mudou de rumo.
Não lhe diviso o destino.
Não quero, sequer, perder tempo com isso.
Por ora, basta-me o simples navegar...
Sailing
Christopher Cross
07 março 2011
04 março 2011
Diálogos poéticos
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.
Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura, é no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.
Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.
José Carlos Ary dos Santos
SEMPRE
Como se os nossos corpos rebolassem num colchão de palavras,
nadei nos conceitos que me sussurraste ao ouvido,
nas frases soltas que tomaram forma afirmativa do meu e do teu ser!
Gemi as exclamativas frases que me arrancaste do fundo do peito...
Amei-te num futuro mais-que-perfeito!
Bani dos meus horizontes o modo condicional do verbo sentir e usei o gerundio do gosto de sorrir...
Num complemento circunstâncial de modo...
Amei-te!
No circunstâncial de lugar fiquei à espera
que o circunstâncial de tempo fosse um segundo...
do tamanho do mundo!
Antes do amo coloquei um pronome pessoal
e a seguir um reflexo
e vi que tinha nexo o que acabei de te dizer!
Muni-me então do campo lexical de tempo...
Sob a forma determinante da interrogativa
e surgiu o quando?
logo seguido da verbalização angustiada
do amanhã?
Apenas concluí no modo docemente circunstancial,
com a única temporal que eu senti:
Sempre!
Cristina Fidalgo
27 fevereiro 2011
Água na boca...
Antes
Depois
Polvo assado com pimenta da Jamaica, puré de legumes e alecrim.
Batatinha assada em azeite, alho descamisado e tomilho.
Migas à minha maneira.
Mousse de pera abacate com redução de melaço e aguardente de cana.
Depois
Polvo assado com pimenta da Jamaica, puré de legumes e alecrim.
Batatinha assada em azeite, alho descamisado e tomilho.
Migas à minha maneira.
Mousse de pera abacate com redução de melaço e aguardente de cana.
23 fevereiro 2011
Conversas à boca do forno.
Domingo passado; Vimeiro; fábrica do pão.
- Então Ti Henrique? Anda desasado?
O homem, aparentando sessentas e algo, alto, camisa de xadrez e boné na cabeça, aproximou-se exibindo o braço direito ao peito, pendurado numa tira de gaze, e uma generosa tala no dedo médio.
- Vim à bôla para a rapaziada picar - disse apontando para um pavilhão rústico onde se jogavam cartas e chinquilho.
- O que lhe aconteceu, homem?
- Olhe, não quer lá ver a p...ta da minha sorte? Apanho g'andes babadeiras todos os dias; caio da mota no caminho p'a casa... nunca m'aleijei, só uns arranhõezitos de vez em quando. Ontem de manhã alevantei-me cedo p'a ir aos ouriços. Estava sentado no sofá da sala a calçar as meias e à espera qu'a melher me fizesse o piquen'almoço. Tenho um cão e uma cadela pequ'nitos. Fod...-se! Não é qu'aqueles filhos duma granda p...ta se pegam à dentada? Com a pressa de m'alivantar do sofá, escorregou-se-me o tapete do chão debaixo dos pés e catrapumba, arrebati de costas em cima dos mosaicos, caindo com o cú em cima da mão direita. Parti o dedo do meio!... Já viu isto?... Por causa do car...lho dos cães? S'eu ad'vinhasse tinha deixado que se comessem à dentada. É qu'ainda por cima foi a mão direita. Não posso conduzir a mota; não consigo jogar às cartas nem ao chinquilho e até a garrafa da mine não me dá jeito nenhum segurar com a mão esquerda.
- Porra, homem! Isso é que foi azar hein?
- É verdade. Ainda na véspera tinha saido daqui à uma da manhã com uma cadela danada. Na subida das belas - não sei como arranjei a coisa - desinqu'librei-me e taruz... estatelado no chão e ainda por cima no meio da estrada. Fiquei debaixo da mota. Quis sair debaixo daquela m...rda mas não tinha forças. Pois c'a babadeira que levava nos cornos... Vai daí, pensei: Olha... f...da-se! Deixa-te estar! E foi o que fiz. Puxei do tabaco e deixei-me ficar. Passado p'aí uma meia hora vejo dois faróis a virem pela estrada acima. Parou uma pick-up cinzenta à minha beira. Era um primo meu... "atão Henrique? O que fazes aí caido no meio da estrada?". Eu respondi-lhe "Olha... tou aqui fumando um cigarrito!".
[gargalhada generalizada]
- Então vá Ti Henrique. Leve lá a Bôla aos homens ou eles ainda julgam que se perdeu p'lo caminho.
- Ok! Passem bem que eu vou beber mais copo. Até mais!
- Até logo!
(Conversa verídica)
- Então Ti Henrique? Anda desasado?
O homem, aparentando sessentas e algo, alto, camisa de xadrez e boné na cabeça, aproximou-se exibindo o braço direito ao peito, pendurado numa tira de gaze, e uma generosa tala no dedo médio.
- Vim à bôla para a rapaziada picar - disse apontando para um pavilhão rústico onde se jogavam cartas e chinquilho.
- O que lhe aconteceu, homem?
- Olhe, não quer lá ver a p...ta da minha sorte? Apanho g'andes babadeiras todos os dias; caio da mota no caminho p'a casa... nunca m'aleijei, só uns arranhõezitos de vez em quando. Ontem de manhã alevantei-me cedo p'a ir aos ouriços. Estava sentado no sofá da sala a calçar as meias e à espera qu'a melher me fizesse o piquen'almoço. Tenho um cão e uma cadela pequ'nitos. Fod...-se! Não é qu'aqueles filhos duma granda p...ta se pegam à dentada? Com a pressa de m'alivantar do sofá, escorregou-se-me o tapete do chão debaixo dos pés e catrapumba, arrebati de costas em cima dos mosaicos, caindo com o cú em cima da mão direita. Parti o dedo do meio!... Já viu isto?... Por causa do car...lho dos cães? S'eu ad'vinhasse tinha deixado que se comessem à dentada. É qu'ainda por cima foi a mão direita. Não posso conduzir a mota; não consigo jogar às cartas nem ao chinquilho e até a garrafa da mine não me dá jeito nenhum segurar com a mão esquerda.
- Porra, homem! Isso é que foi azar hein?
- É verdade. Ainda na véspera tinha saido daqui à uma da manhã com uma cadela danada. Na subida das belas - não sei como arranjei a coisa - desinqu'librei-me e taruz... estatelado no chão e ainda por cima no meio da estrada. Fiquei debaixo da mota. Quis sair debaixo daquela m...rda mas não tinha forças. Pois c'a babadeira que levava nos cornos... Vai daí, pensei: Olha... f...da-se! Deixa-te estar! E foi o que fiz. Puxei do tabaco e deixei-me ficar. Passado p'aí uma meia hora vejo dois faróis a virem pela estrada acima. Parou uma pick-up cinzenta à minha beira. Era um primo meu... "atão Henrique? O que fazes aí caido no meio da estrada?". Eu respondi-lhe "Olha... tou aqui fumando um cigarrito!".
[gargalhada generalizada]
- Então vá Ti Henrique. Leve lá a Bôla aos homens ou eles ainda julgam que se perdeu p'lo caminho.
- Ok! Passem bem que eu vou beber mais copo. Até mais!
- Até logo!
(Conversa verídica)
22 fevereiro 2011
20 fevereiro 2011
14 fevereiro 2011
Leituras
Talvez consiga adormecer
Talvez
consiga adormecer
se não pensar nos teus beijos
que ainda ardem
neste deserto
que é a minha pele sem ti.
Sinto-os
como formigas doidas
a correrem
por mim acima
desvairados, sem norte,
perdidos quem sabe
se na pressa
de voltarem a ser beijos
mais fundos que a pele,
sedenta
desse toque
que só tu consegues,
quando o calor
da tarde que começa
te incendeia
em labaredas por inteiro,
dentro
e fora, meu vesúvio
de Janeiro
onde me deito e adormeço.
Deixa-me voar
de novo colado a ti,
meu pássaro sonhador.
Anda, vamos
nessa brisa quente
à procura
de uma terra que não conheço
e deixa-me desbravá-la
como se o mundo acabasse
agora,
nesta tarde morna
de luz coada, perdida no poente
imaginado,
quando os teus olhos
me falavam sem palavras
e me diziam
que tudo era possível
na caminhada sem medo.
Deixa-me
partir no teu beijo
que tardo
em querer esquecer.
Como quem sussurra
um segredo,
abre-me o teu peito
em que me deito
e estremeço.
Deixa-me voar contigo.
Deixa-me tocar
a lua no teu umbigo.
In A lua no teu umbigo
Alberto Riogrande
12 fevereiro 2011
Na 1ª pessoa – o singular na sua dialéctica com o plural.
Hoje apetece-me escrever na primeira pessoa do singular.
De quando em vez paro para fazer um apanhado da minha vida ou, pelo menos, do meu passado recente. Há quem faça o exercício regular de uma retrospectiva diária. Não chego a tanto (mas apenas e só porque não tenho o empenho necessário para o fazer).
Pensei em tamanha façanha há já alguns dias mas só agora ganhei coragem para tanto. Cortei umas limas, pisei folhas de hortelã, umas pedras de gelo, rum e duas colheres de um açúcar tão amarelo quanto o meu sorriso deste final de tarde.
Estou sentado em frente ao portátil. Mais um trago… e outro. Arrepio-me. Estou pronto!
Ultimamente tive por tendência natural julgar a minha vida como algo de absolutamente improdutivo ou, no mínimo, inconsequente.
Formações e mais formações, cursos e mais cursos, simpósios, congressos, encontros… para acabar dando por mim a perguntar “para quê?”.
Esta semana algo de novo ganhou espaço no meu espírito. Comecei a interrogar-me mais sobre as pequenas coisas do dia-a-dia, as quais, habitualmente, adicionava ao rol das futilidades, percebendo agora que, uma vez ponderadas numa perspectiva mais abrangente, passam a fazer todo um novel sentido.
Lamento esta situação de desemprego prolongado, de instabilidade relacional no que ao às matérias do coração diz respeito. Continuarei a fazê-lo. Mas pergunto-me agora: ser-me-ia possível assumir em exclusivo as múltiplas deslocações do meu filho de e para a escola, idas quase diárias da mãe ao hospital, tratar diária e religiosamente dos meus cães, se estivesse a trabalhar ou numa relação emocional com cabeça, tronco e membros?
Mais: a partir da próxima terça-feira a minha filhota passará a ír duas vezes por semana ao Hip-Hop. Irei eu buscá-la à escola. Não sei como irei conseguir articular tudo mas tenho a certeza absoluta de que o vou fazer.
Na passada 2ª feira morreu-me o Chaka. De quatro amigos caninos resta-me apenas a Luka. A vida vai polvilhando o caminho com estas sacanices repletas de fel.
Num destes finais de tarde solarengos, desloquei-me ao miradouro dos Capuchos para ver o pôr-do-sol. Entre muita gente que afluíra ao local com o mesmo intuito, encontrava-se um casal com dois filhos. O mais velho deles, talvez com uns sete/oito anos, estava sentado na muralha do miradouro, pernas e braços traçados, aguardando o momento em que o horizonte engoliria o sol. Aproximando-se o ocaso, o pai desata num esbracejar histérico, bradando:
- Filho. Estão a roubar o sol! E agora? O que fazemos?
O filho, sem tirar os olhos de um horizonte mesclado de azuis e vermelhos, respondeu:
- Não, pai. O sol vai até ao fim do mundo e depois desaparece na terra do nunca. Amanhã nasce um novo.
Tenho recordado muitas vezes tal momento. A poesia tudo vence. Quem me dera ser capaz de fazer como o sol daquele menino. Mas poesia é apenas isso: poesia. A vida é a vida e, como experiência de aprendizagem que é, apresenta-se-nos muitas vezes cruel, dura, implacável.
Se é (também mas não só) por isso que tenho que passar… seja!
Ajudo os outros em tudo o que posso, de múltiplas formas. Quem me conhece sabe desta atitude voluntariosa. Se ando por cá com essa missão… óptimo.
Se são estes o meu karma e o meu dharma… perfeito!
Em última instância tenho por saldo que o universo me tem retribuído generosamente. Graças ao apoio incondicional da família e dos amigos não me tem faltado nada de verdadeiramente essencial nem, diga-se de passagem, muitas outras coisas supérfluas.
Sinto-me amado, gostado, apreciado, admirado, valorizado.
Exigir mais da vida, embora legítimo, não será exagero ou devaneio? Receio pensar na resposta.
No que a 1ª pessoa do singular puder ajudar a 1ª pessoa do plural, cá estarei, sempre e incondicionalmente, para todos.
Obrigado!
De quando em vez paro para fazer um apanhado da minha vida ou, pelo menos, do meu passado recente. Há quem faça o exercício regular de uma retrospectiva diária. Não chego a tanto (mas apenas e só porque não tenho o empenho necessário para o fazer).
Pensei em tamanha façanha há já alguns dias mas só agora ganhei coragem para tanto. Cortei umas limas, pisei folhas de hortelã, umas pedras de gelo, rum e duas colheres de um açúcar tão amarelo quanto o meu sorriso deste final de tarde.
Estou sentado em frente ao portátil. Mais um trago… e outro. Arrepio-me. Estou pronto!
Ultimamente tive por tendência natural julgar a minha vida como algo de absolutamente improdutivo ou, no mínimo, inconsequente.
Formações e mais formações, cursos e mais cursos, simpósios, congressos, encontros… para acabar dando por mim a perguntar “para quê?”.
Esta semana algo de novo ganhou espaço no meu espírito. Comecei a interrogar-me mais sobre as pequenas coisas do dia-a-dia, as quais, habitualmente, adicionava ao rol das futilidades, percebendo agora que, uma vez ponderadas numa perspectiva mais abrangente, passam a fazer todo um novel sentido.
Lamento esta situação de desemprego prolongado, de instabilidade relacional no que ao às matérias do coração diz respeito. Continuarei a fazê-lo. Mas pergunto-me agora: ser-me-ia possível assumir em exclusivo as múltiplas deslocações do meu filho de e para a escola, idas quase diárias da mãe ao hospital, tratar diária e religiosamente dos meus cães, se estivesse a trabalhar ou numa relação emocional com cabeça, tronco e membros?
Mais: a partir da próxima terça-feira a minha filhota passará a ír duas vezes por semana ao Hip-Hop. Irei eu buscá-la à escola. Não sei como irei conseguir articular tudo mas tenho a certeza absoluta de que o vou fazer.
Na passada 2ª feira morreu-me o Chaka. De quatro amigos caninos resta-me apenas a Luka. A vida vai polvilhando o caminho com estas sacanices repletas de fel.
Num destes finais de tarde solarengos, desloquei-me ao miradouro dos Capuchos para ver o pôr-do-sol. Entre muita gente que afluíra ao local com o mesmo intuito, encontrava-se um casal com dois filhos. O mais velho deles, talvez com uns sete/oito anos, estava sentado na muralha do miradouro, pernas e braços traçados, aguardando o momento em que o horizonte engoliria o sol. Aproximando-se o ocaso, o pai desata num esbracejar histérico, bradando:
- Filho. Estão a roubar o sol! E agora? O que fazemos?
O filho, sem tirar os olhos de um horizonte mesclado de azuis e vermelhos, respondeu:
- Não, pai. O sol vai até ao fim do mundo e depois desaparece na terra do nunca. Amanhã nasce um novo.
Tenho recordado muitas vezes tal momento. A poesia tudo vence. Quem me dera ser capaz de fazer como o sol daquele menino. Mas poesia é apenas isso: poesia. A vida é a vida e, como experiência de aprendizagem que é, apresenta-se-nos muitas vezes cruel, dura, implacável.
Se é (também mas não só) por isso que tenho que passar… seja!
Ajudo os outros em tudo o que posso, de múltiplas formas. Quem me conhece sabe desta atitude voluntariosa. Se ando por cá com essa missão… óptimo.
Se são estes o meu karma e o meu dharma… perfeito!
Em última instância tenho por saldo que o universo me tem retribuído generosamente. Graças ao apoio incondicional da família e dos amigos não me tem faltado nada de verdadeiramente essencial nem, diga-se de passagem, muitas outras coisas supérfluas.
Sinto-me amado, gostado, apreciado, admirado, valorizado.
Exigir mais da vida, embora legítimo, não será exagero ou devaneio? Receio pensar na resposta.
No que a 1ª pessoa do singular puder ajudar a 1ª pessoa do plural, cá estarei, sempre e incondicionalmente, para todos.
Obrigado!
31 janeiro 2011
Um pouco de sol
As vagas enrolam a esforço, preguiçosas, desfazendo-se lânguidas nos cabeços dourados.
As dunas, pejadas de cardos e chorões, descansam dos rigores do Inverno.
Recosto-me na areia, entre alecrim, rosmaninho e pinheiros retorcidos pelo vento e pela maresia.
Deixo que o sol me preencha a face, ocupando o pouco que esta barba de Adamastor ainda permite.
Ando descuidado. A vida anda descuidada. Mais não faço do que olhá-la bem nos olhos e devolver a cortesia.
Não há "como", se não se tem "porquê".
Se o tempo o permitir, amanhã venho iniciar a época de caminhadas de borda-de-água.
Com um pouco de coragem talvez entre na água regeneradora.
Esta praia é o meu deserto e esta água o elemento que me expurga todos os males, qual bode expiatório da tradição judaica.
Se Deus trabalha por caminhos misteriosos, a mente humana nada lhe fica a dever, sobretudo no que diz respeito às múltiplas aptências que exibe quando se empenha em se auto-flagelar.
A razão escarnece de si própria com o mesmo embaraço risonho com que nos mascaramos quando nos estatelamos no chão em público. E o final, resignado, é sempre o mesmo. Até um dia... que não o de hoje.
Por ora deixai-me sorver um pouco mais de sol, um pouco mais de mar, um pouco mais de mim.
As dunas, pejadas de cardos e chorões, descansam dos rigores do Inverno.
Recosto-me na areia, entre alecrim, rosmaninho e pinheiros retorcidos pelo vento e pela maresia.
Deixo que o sol me preencha a face, ocupando o pouco que esta barba de Adamastor ainda permite.
Ando descuidado. A vida anda descuidada. Mais não faço do que olhá-la bem nos olhos e devolver a cortesia.
Não há "como", se não se tem "porquê".
Se o tempo o permitir, amanhã venho iniciar a época de caminhadas de borda-de-água.
Com um pouco de coragem talvez entre na água regeneradora.
Esta praia é o meu deserto e esta água o elemento que me expurga todos os males, qual bode expiatório da tradição judaica.
Se Deus trabalha por caminhos misteriosos, a mente humana nada lhe fica a dever, sobretudo no que diz respeito às múltiplas aptências que exibe quando se empenha em se auto-flagelar.
A razão escarnece de si própria com o mesmo embaraço risonho com que nos mascaramos quando nos estatelamos no chão em público. E o final, resignado, é sempre o mesmo. Até um dia... que não o de hoje.
Por ora deixai-me sorver um pouco mais de sol, um pouco mais de mar, um pouco mais de mim.
16 janeiro 2011
10 janeiro 2011
08 janeiro 2011
05 janeiro 2011
04 janeiro 2011
Barcelona - Apontamentos de viagem XVII
23.12.2010
Vôo previsto para as 17.55 horas.
Verá esta odisseia o seu fim?
Quero ir para "casa"!
Quero pegar na cana de pesca e ver-me dentro de água no Meco, a tentar os robalos natalícios.
Estou aqui a martirizar-me com algumas resoluções de ano novo.
Tenho muito que parar para pensar.
Olho para o lado e não consigo evitar o riso.
Até os guardanapos falam comigo.
Sou mesmo, mesmo cepo.
Estou tão saturado desta espera.
A mochila está tão cheia de roupa suja que nem chego aos livros que comprei. Não sei com o que me entreter. O ipod está a ficar sem bateria; a máquina fotográfica tem também a segunda carga nas lonas...
Pensei em aproveitar o tempo para enviar um sms de Natal aos amigos mas, fazê-lo a partir de Barcelona, não é boa ideia.
Acresce a tudo isto o facto de, apesar, de serem apenas 15,30 horas, o sol estar já tão baixo que entra pelas vidraças fumadas como um centurião em Roma depois de uma grande vitória.
É um convite à siesta ao qual custa dizer "não".
Quando o ócio se instala a imaginação ganha asas. É o grito de revolta da mente contra o imobilismo do corpo.
Resolvi contar o número de páginas que materializam estes meus apontamentos de viagem. São já vinte e oito. Ou direi "só vinte e oito?"
Uma núvem misericordiosa vem aplacar a força do astro-rei. Que alívio!
Maior alívio, neste momento, só consigo imaginar o regresso a "casa".
Vôo previsto para as 17.55 horas.
Verá esta odisseia o seu fim?
Quero ir para "casa"!
Quero pegar na cana de pesca e ver-me dentro de água no Meco, a tentar os robalos natalícios.
Estou aqui a martirizar-me com algumas resoluções de ano novo.
Tenho muito que parar para pensar.
Olho para o lado e não consigo evitar o riso.
Até os guardanapos falam comigo.
Sou mesmo, mesmo cepo.
Estou tão saturado desta espera.
A mochila está tão cheia de roupa suja que nem chego aos livros que comprei. Não sei com o que me entreter. O ipod está a ficar sem bateria; a máquina fotográfica tem também a segunda carga nas lonas...
Pensei em aproveitar o tempo para enviar um sms de Natal aos amigos mas, fazê-lo a partir de Barcelona, não é boa ideia.
Acresce a tudo isto o facto de, apesar, de serem apenas 15,30 horas, o sol estar já tão baixo que entra pelas vidraças fumadas como um centurião em Roma depois de uma grande vitória.
É um convite à siesta ao qual custa dizer "não".
Quando o ócio se instala a imaginação ganha asas. É o grito de revolta da mente contra o imobilismo do corpo.
Resolvi contar o número de páginas que materializam estes meus apontamentos de viagem. São já vinte e oito. Ou direi "só vinte e oito?"
Uma núvem misericordiosa vem aplacar a força do astro-rei. Que alívio!
Maior alívio, neste momento, só consigo imaginar o regresso a "casa".
03 janeiro 2011
Barcelona - Apontamentos de viagem XV
22.12.2010
Convido-vos a sentarem-se comigo neste banco da sala de check-in.
Quando há dois ou três vôos que se juntam em matéria de horários, a easyJet é a loucura total.
Quem viaja mais já deve ter chegado à conclusão que esta companhia deu uma outra dimensão à expressão "o que é barato sai caro".
Claro que há sempre os casmurros - como eu - que insistem em dar o benefício da dúvida. Tenho a impressão que esta experiência me trará o necessário bom-senso. Quando planear viajar novamente é bom que me lembre de tudo isto, sob pena de ser promovido de casmurro a "casburro"...
Este terminal é uma torre de Babel. Gente de todas as raças padecendo de um mal que não escolhe caras: a bicha. Sim... a bicha e não a fila!!!
Um casal entra apressado. Atrás vem o puto, minúsculo, louro, rebocando uma mala maior do que ele.
Os pais estancaram no final da bicha mas ele, que vinha olhando para os pombos que haviam permanecido do lado de fora das vidraças, acabou estampado no rabo da mãe. Vá lá!... Podia ter sido pior.
Chamam para o autocarro. Chiça! Já não era sem tempo! Quatro horas e meia depois...
Convido-vos a sentarem-se comigo neste banco da sala de check-in.
Quando há dois ou três vôos que se juntam em matéria de horários, a easyJet é a loucura total.
Quem viaja mais já deve ter chegado à conclusão que esta companhia deu uma outra dimensão à expressão "o que é barato sai caro".
Claro que há sempre os casmurros - como eu - que insistem em dar o benefício da dúvida. Tenho a impressão que esta experiência me trará o necessário bom-senso. Quando planear viajar novamente é bom que me lembre de tudo isto, sob pena de ser promovido de casmurro a "casburro"...
Este terminal é uma torre de Babel. Gente de todas as raças padecendo de um mal que não escolhe caras: a bicha. Sim... a bicha e não a fila!!!
Um casal entra apressado. Atrás vem o puto, minúsculo, louro, rebocando uma mala maior do que ele.
Os pais estancaram no final da bicha mas ele, que vinha olhando para os pombos que haviam permanecido do lado de fora das vidraças, acabou estampado no rabo da mãe. Vá lá!... Podia ter sido pior.
Chamam para o autocarro. Chiça! Já não era sem tempo! Quatro horas e meia depois...
02 janeiro 2011
Barcelona - Apontamentos de viagem XIV
22.12.10
Vinte e duas palavras soltas
Vinte e duas palavras soltas
Porquê?
Lágrima
Almofada
Sorriso
Boca
Olhos
Silêncio
Areia
Mãos-dadas
Descalços
Momento
Eternidade
Fugaz
Inpotência
Incapaz
Infeliz
Ninguém
Dúvida
Cristalizado
Medo
Esperança
01 janeiro 2011
Eu e a Lua Feiticeira: James - Sit Down (2001 final live performance )
Eu e a Lua Feiticeira: James - Sit Down (2001 final live performance )
Luar anda especialmente produtiva. Surripio-lhe os James à laia de homenagem.
May the force be with you!
Luar anda especialmente produtiva. Surripio-lhe os James à laia de homenagem.
May the force be with you!
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